Apesar de suas posturas de crítica a aspectos da modernidade, ele enfrentou autores antiliberais com argumentos em defesa do individualismo ocidental, como em seu famoso debate com o pensador russo Alexandr Dugin. Lucas Berlanza para a Gazeta do Povo:
O
fenômeno do despertar de uma nova mobilização de ideias liberais e
conservadoras no Brasil, alcunhado de “nova direita”, resultou de um
processo complexo e da mobilização de diversos atores e instituições.
Teve, entretanto, entre seus protagonistas inaugurais mais
indiscutíveis, a figura do pensador paulista Olavo Luiz Pimentel de
Carvalho (1947 – 2022).
De
poucos desses autores poderia se dizer que tiveram seus nomes gritados
pelo público em manifestações de massa. Ao menos dois homens de ideias
foram reverenciados dessa forma nos protestos que conduziram ao
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Um deles, um autor
estrangeiro: o economista austríaco Ludwig von Mises. O outro – que,
aliás, atuou como divulgador do primeiro no cenário nacional – foi
justamente Olavo.
Nascido
em Campinas, Olavo de Carvalho exerceu múltiplas atividades em sua
biografia. Em meio a essa pluralidade, a índole da controvérsia foi
marca perene em sua trajetória. A Olavo, seria uma tarefa hercúlea ser
indiferente a ela. A aptidão para atrair amores e ódios em intensidades
tão singulares leva a uma consideração inescapável, qualquer que seja o
juízo de valor que daí se deduza: a de que não se pode desconhecer o seu
papel de impacto no universo do pensamento brasileiro.
Na
juventude, Olavo militou pelo movimento comunista que se dedicaria
posteriormente a combater, opondo-se aos governos militares nos anos 60.
Desde cedo, já exercia o ofício de jornalista – a primeira experiência
foi aos 17 anos, na Folha da Manhã. Em seguida, atuou como astrólogo.
Integrou o I Colóquio Brasileiro de Astrologia em São Paulo e colaborou
em um curso de extensão universitária sobre o assunto voltado a
estudantes de Psicologia na PUC-SP, em 1979. Publicou seu primeiro livro
no ano seguinte: A Imagem do Homem na Astrologia. Mais recentemente,
apesar de rever suas antigas posições e se declarar um “ex-astrólogo”,
jamais chegou a renegar a importância do tema astrológico, enfatizando
que ele ainda despertaria reflexões úteis às ciências humanas se fosse
devidamente aprofundado.
Influência de esotéricos levou à profissão do Catolicismo
O
pensamento de Olavo de Carvalho também foi bastante influenciado por
sua vivência em círculos esotéricos, em um período em que sua atenção se
voltou para o tema da religião comparada. Frequentou a representação
brasileira da tariqa – centro de confraternização e contemplação dos
místicos islâmicos, chamados “sufis” –, do suíço Frithjof Schuon.
Segundo o próprio Olavo, sua intenção ao fazê-lo era perseguir uma
compreensão mais profunda da vida espiritual.
Através
de Schuon, Olavo também foi influenciado pelo pensamento do francês
René Guénon, moldando-se à escola filosófica sustentada pelos dois
autores esotéricos, o Perenialismo. O Perenialismo é uma forma de
tradicionalismo que receia o que julga ser a degeneração da civilização
ocidental sob o impacto do Iluminismo e da modernidade.
Apesar
de a tariqa ser um círculo esotérico islâmico, Olavo considerava que o
Perenialismo o conduziu à compreensão de que o Cristianismo seria a
“ciência das ciências” e de que haveria uma “unidade transcendente das
religiões”, mas apenas no que diz respeito à identidade de suas
doutrinas metafísicas, não em seu poder de salvar as almas ou
santificá-las.
Aderiu
declaradamente ao Catolicismo romano. Contudo, em parte em consequência
de suas tendências perenialistas, o pensador paulista entrou em rota de
colisão, em diversas ocasiões, com círculos tradicionalistas católicos,
a exemplo dos entraves com o polemista Orlando Fedeli, que considerava
Olavo um desvirtuado da verdadeira doutrina da Igreja. Os alunos e
admiradores do filósofo, numerosos e dispostos a reconhecer em seu
trabalho uma contribuição única para o desenvolvimento intelectual e
cultural do Brasil, costumavam retrucar alegando que poucos conseguiram
conduzir tantas pessoas à fé católica quanto Olavo.
Olavo de Carvalho foi notável conservador e anticomunista ferrenho
Em
sua atuação como intelectual público, construída sem qualquer diploma
universitário – ainda que tenha estudado no Conjunto de Pesquisa
Filosófica da PUC-RJ por três anos, sob a direção do professor e padre
Stanislavs Ladusãns – Olavo se notabilizou por suas posições
conservadoras e anticomunistas. O pensador naturalizado brasileiro
Ricardo Vélez Rodríguez, ex-ministro da Educação, em sua obra Pensamento
Político Brasileiro Contemporâneo, apresentou Olavo de Carvalho como um
dos autores que pretenderam investigar “o pano de fundo de crenças
fundamentais” em que se apoiam as sociedades, em seu caso “a partir de
uma plataforma de mitos primordiais presentes nas antigas tradições
espirituais” e de uma análise da simbologia constante desses mitos. Com
esse objetivo, um dos textos mais impactantes de Olavo é sua análise da
aplicação dessa simbologia ao clássico filme de 1991 O Silêncio dos
Inocentes, protagonizado por Anthony Hopkins e Jodie Foster.
Além
dos perenialistas, em seu trabalho filosófico, Olavo de Carvalho
promovia um diálogo particular com a filosofia clássica grega, como nos
livros O Jardim das Aflições: de Epicuro à Ressurreição de César –
Ensaio sobre o materialismo e a religião civil (1995) e Aristóteles em
Nova Perspectiva: Introdução à teoria dos quatro discursos (1996).
Tornou-se um crítico pungente de algumas das principais filosofias da
modernidade, que considerava como retrocessos em relação ao pensamento
clássico, criticando com especial afinco autores como Immanuel Kant,
Hegel ou Karl Marx.
Como
jornalista, Olavo escreveu para veículos como Folha de S. Paulo, Jornal
do Brasil, O Globo e Diário do Comércio. Obras de sua autoria, como O
Imbecil Coletivo (1996) e, mais recentemente, o best seller O Mínimo que
Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota (2013), conquistaram grande
sucesso editorial e atraíram, em meio às várias críticas negativas
(particularmente da intelectualidade universitária, alvo recorrente de
suas investidas), elogios de personalidades como Roberto Campos, Meira
Penna, o poeta Bruno Tolentino e o também jornalista Paulo Francis.
Influenciador nas redes sociais, valorizava a linguagem acessível
A
retórica de Olavo como comunicador através da internet e das redes
sociais, meios em que se tornou um influenciador expressivo e
popularizou um curso de Filosofia – mantendo ainda um veículo de
imprensa, o Mídia Sem Máscara, e um programa, o True Outspeak –, foi,
entretanto, o verdadeiro instrumento que deu a seu nome o auge de
penetração social. A partir daí, sua biografia foi travestida de todo
gênero de folclore conspiracionista e os humores mais suscetíveis se
escandalizaram com seu estilo sarcástico e seu recurso constante a
palavrões e ataques virulentos contra seus adversários.
Na
visão de Olavo, os palavrões eram “necessários no contexto brasileiro
para demolir essa linguagem polida que é uma camisa de força que prende
as pessoas, obrigando-as a respeitar o que não merece respeito”. A
dinâmica com que Olavo amealhou milhares de alunos e discípulos, mesmo
vivendo nos Estados Unidos desde 2005, deu origem a comentários de que
esses alunos teriam adquirido um comportamento sectário, provocando
enfrentamentos virtuais intensos e polarizadores.
Divulgador fundamental de autores diversos do conservadorismo
O
reconhecimento de que Olavo se tornou um divulgador fundamental de
diversos autores, muitos deles anteriormente quase desconhecidos, é
praticamente unânime. Olavo foi revisor e editor da obra de nomes como
Roger Scruton, Eric Voegelin, Christopher Dawson, o romeno Constantin
Noica, o francês Émile Cioran e o brasileiro Mário Ferreira dos Santos.
Outros mais conhecidos, como o alemão Arthur Schopenhauer, foram
editados, revisados ou ao menos apresentados a uma grande quantidade de
internautas no país por Olavo de Carvalho, alimentando
bibliograficamente o que se tornaria a “nova direita” brasileira das
primeiras décadas do século 21.
Politicamente,
Olavo defendia a importância de construir uma elite intelectual capaz
de auxiliar no saneamento do país em todas as suas esferas. Alguns
conceitos que determinaram decisivamente o pensamento da nova geração de
liberais e conservadores e que foram popularizados por sua pregação
foram a denúncia contra o Foro de São Paulo, uma organização fundada em
1990 pelos grandes partidos de esquerda da América Latina, e o ataque à
“revolução cultural gramsciana” – uma adaptação estratégica da esquerda à
ocupação dos espaços de formação do imaginário, a que liberais e
conservadores precisariam responder para desfazer uma “hegemonia
cultural” vigente no ciclo da Nova República.
Olavo
acreditava que o Brasil tinha uma “democracia doente”, devido ao
desequilíbrio entre esquerda e direita, com absoluto predomínio da
primeira. Também se dedicou a criticar a “mentalidade revolucionária”,
designação de um “estado de espírito” no qual “um indivíduo ou grupo se
crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade”, e combateu pautas
como o aborto e o casamento gay.
Para Olavo de Carvalho, o conservadorismo abrange o que há de positivo no liberalismo
Na
visão de Olavo, o rótulo “conservador” já abrangeria os aspectos
positivos do liberalismo. Chegou a publicar que temia que os liberais e
libertários elevassem a economia de mercado ao patamar de um valor
supremo, embora tenha também elogiado a visão de economistas da Escola
Austríaca. Apesar de suas posturas de crítica a aspectos da modernidade,
ele enfrentou autores antiliberais com argumentos em defesa do
individualismo ocidental, como em seu famoso debate com o pensador russo
Alexandr Dugin.
Apoiou
a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, bem como era simpático às
bandeiras de Donald Trump. O polêmico ex-estrategista de Trump, Steve
Bannon, e o presidente Jair Bolsonaro estiveram com Olavo em um jantar
nos EUA. Alunos e admiradores do filósofo de Campinas – que sempre
recusou a pecha de “ideólogo” do governo – ocuparam posições importantes
na administração federal.
Sobre
Bolsonaro, no último 28 de dezembro, em uma live, Olavo se defendeu de
críticas de pessoas próximas ao presidente e disse ter sido o
responsável por transformá-lo em um candidato elegível para o Planalto.
Para Olavo, Bolsonaro teria feito uma boa administração, merecia ser
reeleito, mas foi “péssimo” em se defender dos inimigos. “Ele um
excelente administrador, um homem honesto, nunca roubou nada e está
fazendo um bom trabalho”, disse. “A única coisa que ele não faz direito,
ou faz pessimamente, é se defender dos inimigos. Isso ele não sabe
fazer. Ele só sabe apanhar”.
No
campo científico, fez diversas críticas a como Isaac Newton, Giordano
Bruno e Galileu Galilei, que, em sua opinião, seriam supervalorizadas.
Em março de 2020, declarou que a pandemia do coronavírus representava “a
mais vasta manipulação de opinião pública que já aconteceu na história
humana” e que o que então era considerado uma endemia era simplesmente
uma fraude. Foi um ferrenho combatente da ideia do passaporte sanitário.
Entre seus últimos aforismos de vida, escreveu: “Quem leva a política a
sério luta A FAVOR de ideais e CONTRA grupos e indivíduos. O atual
direitismo brasileiro não tem ideais, só tem um ídolo. E contra o
esquerdismo só faz luta de ideias. Está tudo invertido”.
Faleceu em 25 de janeiro de 2022, de causa não divulgada pela família.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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