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O partido dela sobe nas pesquisas e a eterna distopia política italiana podem abrir caminho para o, até pouco, impensável. Vilma Gryzinski:
Perto
dela, Marine Le Pen parece boazinha. Pelo menos a líder da
extrema-direita francesa, e fadada sempre ao segundo lugar na disputa
presidencial, é ativamente a favor dos direitos clássicos para
homossexuais.
Giorgia
Meloni é contra o casamento gay, uma posição que hoje já parece
incrivelmente datada. A líder dos Fratelli d’Italia, os irmãos da
Itália, nome tirado da primeira estrofe do hino nacional, não tem a
menor hesitação em assumir plataformas assim.
Aliás,
é por causa delas que hoje seu partido, chamado pelos inimigos de
“pós-fascista”, pela origem mussoliniana, chegou a 20% das preferências,
dois pontos à frente da Liga, de Matteo Salvini, o nome mais vistoso da
nova direita populista (a velha é a de Silvio Berlusconi, com 85 anos e
ainda um certo gás).
Giorgia,
hoje com 45 anos, foi ministra da Juventude do governo Berlusconi e
parecia na época uma das bonitinhas de quem o multimilionário mulherengo
se cercava.
Mostrou
ser muito mais do que isso. Nascida num bairro pobre, com um currículo
que inclui trabalhos como babá, garçonete e bartender, ela tem fogo nas
ventas e inflama comícios com uma introdução que virou meme: “Eu sou
Giorgia, sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã”.
As
especulações sobre seu nome como potencial primeira-ministra voltaram à
tona agora e, para acompanhá-las, é preciso seguir meandros da política
italiana.
No
momento, está sendo escolhido o presidente do país. O processo é por
eleição indireta e pode ser tão complicado quanto a escolha de um papa.
Votam 951 deputados e senadores e 58 delegados regionais. Na primeira
rodada, ganharam os votos em branco. O presidente tem que ser eleito com
maioria de dois terços.
Com
ironia típica, a eleição foi apelidada de “Quirinale Game”, referente
ao palácio presidencial, que fica no monte Quirinal, e à série
sul-coreana Squid Game.
Enquanto isso, fervem as negociações de bastidores – inevitavelmente chamadas de maquiavélicas.
Se
dependesse do voto direto dos italianos, a questão estaria resolvida. O
escolhido seria Mario Draghi, o atual primeiro-ministro. Conhecido como
Super Mario quando deu nó em pingo d’água para salvar o euro da última
crise, quando era presidente do Banco Central Europeu, ele é uma
unanimidade, dentro e fora do establishment.
Draghi
também não esconde que gostaria de ser presidente, uma figura
cerimonial no regime parlamentarista, mas que durante as crises por
falta de maioria para formar governo, frequentes na Itália, ganha um
papel muito maior, podendo inclusive escolher um primeiro-ministro. Com
ele, a presidência ganharia uma importância política muito maior.
Problema:
poucos querem tirá-lo da chefia do governo – de união nacional,
inclusive com a participação do partido de Salvini -, num momento chave
para as reformas das quais dependem os mais de 200 bilhões de euros
liberados pela União Europeia para ajudar a Itália a se recuperar da
crise do coronavírus.
Não
está totalmente descartado que possa haver nova eleição geral. E aí é
que Giorgia poderia colocar o pezinho no governo, na qualidade de líder
do partido mais popular da frente de direita, da qual fazem parte
Salvini e Berlusconi.
É
claro que a disputa real se dá entre Giorgia e Salvini, apesar das
juras recíprocas de unidade. Salvini queimou o filme quando tentou armar
um jeito de ser primeiro-ministro e se deu mal. Fez uma campanha que
consistia em ir de praia em praia, em pleno verão, tomar mojitos e tirar
selfies com potenciais eleitores.
Mas certamente ele tem projetos de longo prazo.
Giorgia
também. O Irmãos da Itália teve apenas 4% dos votos quando entrou na
cena nacional, em 2018. Disputa com a Lega de Salvini exatamente o mesmo
eleitorado, talvez uma fatia de desiludidos com o Cinco Estrelas. O
principal tema de ambos é a imigração, clandestina e inexorável, que
leva à Itália constantemente novas levas humanas, geralmente homens
jovens, vindas da África Subsaariana e do Norte do continente.
Uma
das vantagens do partido de Giorgia é ser considerado ideologicamente
menos comprometido, por nunca ter participado de nenhum governo.
Giorgia
Meloni pode ser incluída entre mulheres de direita – com vários graus
de diferenciação – que estão despontando no cenário político europeu. Na
França, além da eterna Marine Le Pen, surgiu agora Valérie Pécresse, da
direita tradicional, ou centro-direita.
Quando
ela foi eleita candidata do Republicanos, o nome atual do gaulismo,
Pécresse ganhou um bom gás e ainda não é considerado impossível que seja
ela, não Marine Le Pen, quem vá para o segundo turno contra Emmanuel
Macron, em abril. Ou seja, no primeiro turno a briga será entre as duas.
Na
Inglaterra, um nome que está circulando no momento em que Boris Johnson
afunda no pântano de pequenos, mas simbólicos, escândalos é o de Liz
Truss.
Atual
ministra das Relações Exteriores, ela é uma potencial candidata a líder
do Partido Conservador caso as festinhas de Boris – e a reação interna
do partido – não deixem alternativa que não seja a renúncia.
“Quem
é Liz Truss? Provavelmente há pessoas na China se perguntando nesse
momento se ela é realmente louca ou se quer uma guerra entre o seu país e
o dela”, exagerou o Global Times, a voz do Partido Comunista Chinês
para o mundo.
Foi
um presente para uma política conservadora que quer ser vista como
durona e que, quando estava no ministério da Defesa, se fez fotografar
dentro de um tanque, com capacete – uma imitação nada sutil de Margaret
Thatcher.
O conservadorismo britânico também influencia Giorgia Meloni através do pensamento do filósofo Roger Scruton.
Mesmo
quem não concorda com nada do que ela diga, inclusive as previsões
exageradas de que o passaporte vacinal implicaria num “suicídio
econômico”, tem que admitir, em nome da honestidade intelectual, que o
nível do debate sobe muito quando Scruton entra na roda.
“Ele
nos explicou que o conservadorismo nasce da convicção de que é fácil
destruir coisas boas, mas não é fácil criá-las”, escreveu Giorgia sobre o
filósofo, que morreu em 2020.
O
Fratelli d’Italia é hoje o partido mais favorecido nas pesquisas de
opinião, dividindo a mesma faixa – pouco acima ou pouco abaixo dos 20% –
com a Liga de Salvini e o Partido Democrático, herdeiro do espólio
reconstruído do velho comunismo.
Mesmo
que a eleição presidencial seja resolvida sem grandes mudanças, a
próxima eleição nacional tem que ser feita até junho do ano que vem. Um
prazo bom para Georgia Meloni florescer ou refluir.
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