Bolsonaro, que tem o espírito do Centrão, rompeu com todas as mediações. As alavancas do controle estão diretamente nas mãos do fisiologismo. Fernando Gabeira para o Estadão:
Orçamento
secreto, implosão do teto de gastos, sombrias manobras parlamentares,
tudo isso anima o noticiário da semana, mas, ao mesmo tempo, nos dá uma
sensação de imobilidade, como se o Brasil não andasse para a frente.
Tanto
o orçamento secreto como a implosão do teto de gastos são uma espécie
de retrato do País, se o avaliamos pelas lentes dos seus principais
intérpretes. A voracidade das elites dominantes em distribuir entre si
os recursos públicos, em transformá-los em seu patrimônio, não é
novidade de um ponto de vista histórico. É espantoso, no entanto, que em
pleno século 21 a denúncia da existência de um orçamento secreto, feita
aqui, no jornal Estado, tenha demorado tanto tempo para se transformar
num escândalo, ainda que num tímido escândalo.
É
evidente, para todos nós, que os gastos públicos têm de ser feitos com
transparência. Há algumas exceções que dizem respeito à segurança
nacional. Nenhuma delas tem conexão com as verbas distribuídas aos
deputados. Também está previsto em lei que as verbas destinadas às
emendas parlamentares devam ser distribuídas de forma impessoal, entre
todos, sem discriminação.
O que está acontecendo em Brasília rompe com dois princípios: o da transparência e o da impessoalidade.
Esta
excrescência é fruto do enlace entre Bolsonaro e o Centrão. Bolsonaro
não quer impeachment? Tudo bem. Quer aprovar alguns projetos para se
reeleger? Tudo certo, desde que role dinheiro para que os deputados
também sobrevivam na batalha eleitoral.
A
Câmara tem certa atração por presidentes distributivistas. Eduardo
Cunha foi o mais famoso deles. Ele articulava projetos de interesse de
empresas e conseguia manter lubrificada sua base de apoio. Arthur Lira
trabalha com o Orçamento, mas segue o mesmo caminho de contemplar os
seus apoiadores, só que, aparentemente, apenas com o dinheiro público.
O
orçamento secreto tornou-se um escândalo por causa da PEC dos
Precatórios. Cerca de R$ 900 milhões em emendas foram distribuídos para
que o governo, no primeiro turno, conseguisse os magros 312 votos.
O
interessante é que toda esta manobra não se esgota aí, na simples
votação. Sob pretexto de ajudar os pobres com o chamado Auxílio Brasil,
vão liberar para novas emendas cerca de R$ 20 bilhões.
Certamente,
vão detonar a economia, aumentando o dólar, a gasolina, a inflação. Mas
o que importa é abrir uma chance para Bolsonaro se reeleger com o
Auxílio Brasil e gastar os R$ 20 bilhões a mais, viabilizando a própria
campanha. Um escândalo dentro do escândalo.
E,
como são muito espertos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) pede
transparência, eles fingem que há uma crise entre Poderes e lançam o
tema na mídia na esperança de que a crise de dependência de alguns
jornalistas os ajude a lançar uma cortina de fumaça em toda a manobra.
O
enlace de Bolsonaro com o Centrão jogou o Congresso para trás. Na
verdade, o próprio presidente tem o espírito do Centrão e, sob o
disfarce de uma “nova política”, acabou por romper com todas as
mediações. As alavancas do controle estão diretamente nas mãos do
fisiologismo.
E
tudo parece se agravar mais na medida em que se aproximam as eleições.
Bolsonaro anuncia que vai entrar no PL, partido de Valdemar Costa Neto,
um dos políticos mais experientes nesta voracidade em se relacionar com o
governo.
Costa
Neto foi preso e condenado no processo do mensalão. Lembro-me dos
depoimentos prestados na Câmara por sua ex-mulher Maria Christina
Caldeira. Segundo ela, Costa Neto, em certas noites, jogava no cassino o
equivalente a US$ 300 mil.
Fiquei
perplexo com a quantia, na época. Hoje, ao vê-lo atrair para o seu
partido o próprio presidente da República, posso imaginar o que vai
acontecer e o que aconteceria numa eventual vitória de Bolsonaro e Costa
Neto. Digo eventual vitória dos dois porque Costa Neto vai ser decisivo
na campanha e no governo, e certamente vai estar ao lado de Bolsonaro
em caso de reeleição. Em caso de derrota, Costa Neto sabe para onde
correr e vai buscar o rumo do governo vitorioso, não importa qual seja.
O
que todos esses acontecimentos revelam é a resiliência de um certo
Brasil que, às vezes, achamos ter sido superado historicamente. Resta,
ainda, um pouco de esperança, no caso específico, de que o STF cumpra
seu papel de guardião constitucional e barre ao menos os movimentos mais
escandalosos.
Não
creio que valha a pena contar só com uma iniciativa do STF, provocado
pela oposição. Se esses dados da política continuarem distantes das
pessoas, se persistir o sentimento de que nada adianta, o País será
saqueado.
Como
Bolsonaro catalisou uma expectativa de mudança, é razoável certa
paralisia entre os eleitores que acreditaram nisso. Uma espécie de
ressaca com a falsa onda renovadora. Mas as forças que podem se mover
nas ruas são muito mais amplas.
De
certa forma, fomos avisados a tempo de que havia um orçamento secreto. É
uma notícia velha e convivemos com ela com certa naturalidade. Essa
naturalização dos grandes erros no Brasil pode nos custar muito mais
caro do que os bilhões secretamente transacionados.
O enlace da corrupção e do autoritarismo significa uma configuração perigosa, pois, em caso de triunfo, é muito resistente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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