Os especialistas descobriram que as pessoas com 85 anos são mais propensas a adoecer e morrer do que as pessoas de 25. Em prol dos valores democráticos, lixa-se toda a gente. Via Observador, a crônica semanal de Alberto Gonçalves:
Casos.
Número que se debita ao início das tardes sem finalidade discernível
excepto manter o pânico em cima, conforme os estudos académicos
recomendam. Vem invariavelmente acompanhado do R(t) e da Incidência, a
parelha circense que confere um ar “técnico” à rábula.
Certificado.
Certifica que o proprietário possui um certificado e que os demais são
criminosos. Só por si, o certificado não vale nada na ausência de teste,
que só por si não vale nada na ausência de certificado. E nada vale
nada na ausência de máscara.
Ciência.
Antigamente, fazia-se ciência. Agora “segue-se” a ciência, que pelos
vistos já está feita. Seguir a ciência não dá trabalho nenhum nem
implica particular conhecimento: basta dizer que a seguimos, proeza que
logo rebaixa o interlocutor ao nível civilizacional de uma catatua e nos
eleva ao nível de um dr. Fauci (que garantia que a SIDA se propagava
pelo ar) e de dois Carlos Antunes (que, coitado, garante o que os
telejornais e o governo lhe pedem para garantir).
Curva.
Uma coisa que temos de achatar. Não confundir com “pico”, que é uma
coisa que temos de ultrapassar. Ambos os processos são relativamente
rápidos: duas ou três semanas.
DGS.
No fundo, é uma senhora que emite palpites, e a prova de que a
precaridade no emprego é um boato infame. Em países exóticos, as
autoridades de saúde lançam relatórios diários e detelhadíssimos acerca
da doença. Aqui, a DGS lança “sound bytes” para os noticiários. E faz
muito bem: a dra. Graça não é paga para informar a ralé, mas para a
alarmar.
Distanciamento social.
“Distância”, em português. Aquilo que, a pretexto da Covid, os
políticos impõem às pessoas decentes é o que, em todas as
circunstâncias, as pessoas decentes querem dos políticos.
Especialistas.
Subclasse de eruditos desenterrados pela Covid. Desenvolvem a
investigação nos estúdios de televisão ou a partir de casa, via Zoom.
Não são influenciados pela história do relógio parado que acerta duas
vezes por dia. São influenciados pelo dr. Costa e não acertam nem uma
vez por ano.
Fetos. Em 2022, serão os maiores responsáveis pela propagação do vírus e os últimos a ser vacinados.
Infarmed.
Local de realização de debates científicos, lendários devido ao
pormenor de todos os cientistas terem opiniões idênticas e, por
assombrosa coincidência, estas serem iguaizinhas às do governo. Ainda
bem.
Inverno. Acontece. Suspeita-se que seja mais fresco que o Verão.
Jovens e crianças.
Não padecem de Covid, mas são vacinados contra a Covid. A vacina
garante-lhes uma vida normal, leia-se estar de máscara em toda a parte
como ladrões. Queixem-se à ciência.
Máscara. A
doutrina divide-se entre os que acham que devemos usar máscara quase
sempre e os que acham que a devemos usar sempre. Um qualquer secretário
de Estado da Saúde defende o uso permanente. Quem já viu a cara do moço
compreende. Em geral, cara que tem máscara não tem vergonha.
Não-vacinados.
O mesmo que assassinos. É simples: os não-vacinados transmitem o vírus
aos vacinados, os quais, como a vacina não protege da infecção e sim da
doença grave e da morte, correm o risco de adoecer gravemente e morrer.
Para não matarem gente cuja morte a vacina impede, os não-vacinados
deviam ser mortos. Na impossibilidade logística de fuzilamentos, urge
afastá-los do convívio com criaturas cumpridoras e moralmente sãs.
Natal. Época
do ano que se passa o ano a tentar salvar. Quando chega o Natal,
verifica-se que não houve salvação possível e que não há Natal para
ninguém.
“Negacionistas”.
Indivíduos perigosos, que desobedecem a medidas ilegais e se recusam a
fazer figuras ridículas em nome do bem comum, dos apetites eleitorais do
PS e da popularidade do prof. Marcelo. Nos bons tempos, a PIDE tentava
“monitorizar” delinquentes assim. Hoje, os Pides são inúmeros, o que
facilita a tarefa. Chamar “negacionista” a alguém é sinal de prestígio e
de sofisticação argumentativa.
Negacionistas. Os que, embora finjam o contrário, não acreditam nas vacinas e agem em conformidade.
Óbitos.
Desde Março de 2020, morre-se sempre por Covid, salvo se se morrer
atropelado por um camião – e isto se o respectivo motorista não estiver
infectado, circunstância a demonstrar após dezoito testes e três
autópsias.
Onda. Vamos na quinta. Após cada uma das anteriores, as medidas preveniram o surgimento da seguinte.
Restrições.
O importante é entender que as restrições não falham por serem
monumentalmente cretinas, mas por não serem suficientes. Se as actuais
não chegarem, convém aperfeiçoar: além de proibir a venda de líquidos e
punir comilões de sandes, há que agir preventivamente, ou seja, voltar a
fechar o ar livre a cadeado de modo a empurrar pessoas para os
supermercados e concentrá-las numa brecha horária estreitíssima.
Aturdido com o excesso de oferta, o vírus amua e vai embora.
SNS.
O melhor do mundo. Sem pessoal, aspirinas e papel higiénico,
desmorona-se em cacos após umas dúzias de internamentos. A culpa é dos
privados, do neoliberalismo e, evidentemente, de Pedro Passos Coelho,
que manda nisto há 40 anos ininterruptos e não há maneira de deixar de
mandar. Além do Natal, também temos de salvar o SNS.
Surtos.
Flagelo que na imaginação do povo acontece em restaurantes, bares,
discotecas e qualquer sítio que sirva para as pessoas se divertirem. É
de bom tom propor pena de morte para “esses irresponsáveis que andam a
espalhar a doença em restaurantes, bares e discotecas”. Não é de bom tom
querer matar quem está em lares de idosos, hospitais e congressos de
pneumologistas, os lugares onde começam os surtos reais.
Testes.
Instrumento essencial no combate à pandemia. Os que contactam um
infectado e testam positivo, entram em quarentena. Os que contactam um
infectado e testam negativo, entram em quarentena. Importa testar mais.
Vacina.
Protege contra o vírus, mas a seguir tende a proteger apenas contra a
doença grave e passados dez minutos parece que nem isso. Dura uma
quantidade de tempo indefinida, mas a seguir tende a durar seis meses e
depois uns dois ou três. Basta uma ou duas doses, mas a seguir é
essencial a terceira dose, que é aquela que antecede a quarta, a quinta e
por aí fora até à décima oitava, que é aquela que nos concederá a
imunidade de grupo. Desde que tomemos a décima nona, claro.
Vacinados.
Pequena parcela de 95% da população adulta que se protegeu com a vacina
e vive com justificados pavor e ódio da meia dúzia de cidadãos
desprotegidos.
Variantes.
Temos de manter comportamentos que nos defendam de eventuais novas
variantes, que é o mesmo que evitar conduzir hoje porque um dia a
estrada pode ser rasgada por um terramoto.
Vítimas.
Os especialistas descobriram que as pessoas com 85 anos são mais
propensas a adoecer e morrer do que as pessoas de 25. Em prol dos
valores democráticos, lixa-se toda a gente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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