O Brasil é um exemplo perfeito de país aprisionado na "armadilha do baixo crescimento", escreve o professor Bolívar Lamounier no Estadão:
Desde a mais longínqua antiguidade, sempre fomos instados a nos conhecermos – nosce te ipsum, conhece-te a ti mesmo. Mas essa injunção sempre foi dirigida muito mais a indivíduos que à sociedade como um todo.
No
mundo atual, pelo menos do ponto de vista econômico, quem quiser
conhecer a “totalidade” de um país tem a seu dispor uma quantidade
astronômica de informações nos sites do IBGE e do Banco Central, e em
entidades internacionais como o Banco Mundial e o FMI. Porém, se pela
expressão “totalidade” quisermos designar uma sociedade consciente de si
e, em tese, capaz de agir de forma coordenada, precisamos ir além da
economia e indagar o que são as elites, nos seus diferentes segmentos.
Nesse sentido mais amplo, no Brasil, a responsabilidade de conhecer o
todo e suas elites, e de avaliar o quanto estas sabem de si mesmas, cabe
basicamente à área de ciências humanas das universidades, cuja
qualidade nem sempre corresponde à relevância de tal obrigação.
Abro,
aqui, um parêntese para frisar que estou empregando o termo elite no
sentido sociológico, sem qualquer conotação com aristocracias com
posições fixas na escala social e até mesmo por laços de
consanguinidade, como era o caso na Europa durante o século 19. No
Brasil atual, o termo elite designa apenas o pequeno número de
indivíduos que ocupa os ápices (alta administração, empresariado, etc.)
das diversas pirâmides de que é formada a sociedade.
O
ponto ressaltado de forma abstrata no parágrafo anterior adquire uma
importante relevância prática quando a inconsciência de tais elites diz
respeito à aproximação de ameaças gravíssimas, capazes de comprometer o
futuro do País por um dilatado período histórico. Peço licença para me
referir mais uma vez a um ponto que tenho aqui martelado
insistentemente. O Brasil é um exemplo perfeito de país aprisionado no
que se tem denominado “armadilha do baixo crescimento”, vale dizer, um
país que precisará de muitos anos para duplicar sua renda anual média
por habitante, que em nosso caso já é atrozmente medíocre. Se nossa
renda atual crescer 3% ao ano – projeção por enquanto delirante –, só
conseguiremos duplicá-la num período de quase 25 anos – uma geração
inteira. Essa concisa indicação deve ser suficiente para o leitor se dar
conta de que estamos num beco quase sem saída, uma vez que o marco
institucional de nossa democracia (os Três Poderes) é de uma patética
debilidade e não tem, abaixo dele, um universo de elites que o ancore,
balize e inspire.
Em
1989, quando vivíamos a intensa expectativa da primeira eleição
presidencial direta “após 29 anos”, Amaury de Souza e eu fizemos uma
pesquisa com 500 membros da elite, em seus diferentes segmentos.
Exploramos extensamente a questão da inflação, à época dominante, dos
restos do patrimonialismo, cuja liquidação os entrevistados só podiam
conceber por meio de reformas liberais enérgicas, e, em particular, a
“dos riscos a que o Brasil estaria exposto se não conseguisse reduzir
substancialmente as desigualdades regionais e de renda no prazo de dez
anos”. Relembro, aqui, alguns dos resultados da pergunta, levando em
conta somente os entrevistados que escolheram a alternativa “muita
chance ou quase certeza”: 63% responderam “um estado crônico de
convulsão social” e outros 63% mencionaram a “inviabilização de uma
economia de mercado”. É certo que somente 7% – e posso imaginar o alívio
dos militares ao constatar quão diminuto era então esse número –
preocupavam-se com a “quebra da unidade territorial do País”.
Em
1994, apenas cinco anos após nosso estudo, a Harvard Business School
publicou um estudo de notável audácia e grande sucesso, coordenado por
Hamish McRae, intitulado The World in 2020 – Power, Culture and
Prosperity. A tentativa de antever como seria o mundo 26 anos mais tarde
deu ensejo a alguns erros egrégios – inclusive sobre a China, cujo
avanço os autores claramente subestimaram – e a alguns acertos dignos de
nota. Sobre o Brasil e a Argentina, as 300 páginas do livro fizeram uma
única referência, o suficiente para acertarem na mosca. Afirmaram que
nós e nuestros vecinos poderíamos usufruir um período de considerável
prosperidade, desde que – atenção! – mantivéssemos um nível razoável de
estabilidade política, com uma administração pública competente e imune à
corrupção. O Brasil, com recursos maiores que os da Argentina, poderia
exercer um impacto extraordinário no continente, se, a exemplo da
Argentina, conseguisse sustentar uma década de estabilidade, seriedade
na máquina pública e corrupção sob controle.
Observem
que os autores delinearam um futuro que de fato não se materializou,
nem na Argentina nem no Brasil, nos 26 anos decorridos desde a
publicação do livro, período por coincidência praticamente igual ao que
estimei como necessário para superarmos a nossa “armadilha do baixo
crescimento”. Ou seja, é bem possível que mais uma geração viverá
patinando no mesmo lugar, ou num lugar bem pior, com mais violência e
araçatubas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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