MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 27 de junho de 2021

Deboche e autoironia entram no cardápio de políticos em busca de atenção nas redes

 

POLITICA LIVRE
brasil

Deboche, autoironia e até uma certa falta de superego entraram no arsenal de comunicação de políticos que pretendem disputar a eleição do ano que vem.

Para profissionais de marketing, a informalidade extrema segue uma tendência que nas últimas campanhas já viu candidatos posando com bichos de estimação e tocando instrumentos musicais.

Agora, políticos da direita à esquerda assumem erros e apelidos pouco elogiosos, brincam com a própria imagem e abusam do sarcasmo e de paródias. Também priorizam a interação direta com seguidores, pedindo que mandem legendas para fotos ou deem dicas culturais, por exemplo.

Ninguém tem aproveitado mais o recurso de usar as armas dos adversários em proveito próprio do que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), pré-candidato a presidente.

Em meio à batalha da vacina contra Jair Bolsonaro (sem partido), ele tomou para si o apelido “calça apertada”, que ganhou de apoiadores do presidente, e derivações como “sunga apertada”.

Também postou selfie com efeito de um jacaré após tomar vacina, chamou Bolsonaro de Capitão Cloroquina e reagiu a uma provocação dizendo que o presidente tinha ligado a “5ª série mode on”.

Antes dele, na campanha à Prefeitura de São Paulo no ano passado, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) já havia feito algo parecido. Colocou em sua propaganda referências às porquinhas Peppa e Miss Piggy, dois apelidos que ganhou de bolsonaristas.

Daniel Braga, que coordenou o marketing da campanha de Joice, afirma que a ideia foi criar uma identificação direta entre candidata e eleitores.

“Foi uma campanha que se inspirou na vida real das pessoas. Todo mundo já sofreu bullying quando criança, e a mensagem da Joice era o antibullying. Houve muita simpatia do público infantil, de mães e mulheres em geral”, diz.

Segundo ele, mesmo com a derrota eleitoral, a campanha cumpriu um objetivo de reforçar a imagem da candidata como alguém forte, que não se dobra aos ataques. “Usamos a Peppa para valorizar a Joice, criar uma espécie de escudo em torno dela. Fizemos do limão uma limonada”, diz.

Na mesma campanha, Guilherme Boulos (PSOL) destacou-se pela informalidade e por criar quadros em que procurava interagir com eleitores que o criticam por seu histórico de líder sem-teto.

Mais recentemente, ele passou a fazer piada com a imagem de invasor, com trocadilhos como “estamos invadindo essa live”. No Carnaval de 2020, postou uma foto em banheiro químico com o aviso de “ocupado”.

“É preciso dialogar com o senso comum de forma descontraída. A gente acaba brincando com a pecha de invasor, que é uma maneira de explicar também quem é o Guilherme e como ele atua politicamente”, afirma Guilherme Simões, coordenador de comunicação de Boulos.

O líder sem-teto, que pretende se candidatar a governador de São Paulo no ano que vem, tem uma equipe informal de cem colaboradores batizada de “gabinete do amor”, pensando em novas ideias constantemente.

Uma que surgiu do grupo foi uma paródia do VAR, rebatizado de Verificando Absurdos da República. No vídeo, antes de comentar algum aspecto do noticiário Boulos faz o gesto quadrado característico dos árbitros quando pedem o recurso de vídeo em partidas de futebol.

“O Guilherme é muito informal no trato pessoal. A gente busca construir uma forma nova de fazer essa comunicação dele com o público. Não apenas fidelizar quem já o apoia, mas comunicar nossa política para todos”, diz Simões.

No time dos apoiadores de Bolsonaro, Abraham Weintraub encarnou nas redes sociais o xará Abraham Van Helsing, um personagem de ficção que caça vampiros. No caso do ex-ministro da Educação, que pretende ser candidato ao Governo de São Paulo, os inimigos são os esquerdistas.

Weintraub também entrou na onda de fazer piada com si próprio, ao escrever propositalmente num tuíte recente que estava “imprecionado”, ao lado de um emoji sorridente. A referência é ao fato de ter cometido esse erro ortográfico quando ministro, em janeiro de 2020.

Consultor de marketing político desde os anos 1980, Gaudêncio Torquato diz que esse tipo de linguagem não teria espaço em décadas passadas, independente da existência ou não das redes sociais.

“Até os anos 1990, campanha eleitoral era fulano fez, fulano faz. Era ação, obreirismo faraônico. Hoje o que conta é estar mais próximo do eleitor, falar de escola perto de casa, comida barata, transporte rápido. E isso inclui uma linguagem mais coloquial, mais integrada ao momento sociopolítico”, diz.

Usar deboche e autodepreciação pode ser um caminho, afirma Torquato, mas é uma estratégia que não está livre de riscos. “Quando esse ambiente bate na classe mais conservadora, pode provocar uma certa repulsa. Tudo tem um limite. Se você começa a exagerar nessa linguagem, pode cair no ridículo”.

Essa não parece ser uma preocupação de Ciro Gomes (PDT), talvez o candidato que tenha dado a maior guinada em sua comunicação neste ano, com o objetivo de suavizar sua imagem de pavio curto.

A estratégia oficial foi entregue ao ex-publicitário petista João Santana, mas o presidenciável tem uma espécie de comunicação “paralela”, em que solta seu lado mais pitoresco.

Ciro já deu depoimento para uma biografia em vídeo, foi fotografado jogando fliperama, filmado cantando enquanto dirigia e teve até um momento Ana Maria Braga, ensinando a fazer cuscuz à moda cearense.

A principal influência, nesses casos, é da sua mulher, a produtora cultural Giselle Bezerra, que grava a maioria das cenas.

A investida culinária do presidenciável provocou uma reação do senador Fernando Collor (PROS-AL), que se aproveitou de a discussão sobre a verdadeira forma de fazer cuscuz rivalizar com a polêmica sobre biscoito versus bolacha.

“Definitivamente uma pessoa que não sabe o que é cuscuz não pode opinar sobre política”, escreveu ele, poucas horas após Ciro postar seu vídeo, em 17 de junho.

Collor é uma espécie de precursor do deboche autoirônico nas redes sociais, o que surpreendeu quem estava acostumado com sua imagem pública de político agressivo e rancoroso por ter sofrido impeachment.

No Twitter, pede dicas de filmes, pergunta aos internautas “qual é a boa” e leva na esportiva se alguém sugere “O Poderoso Chefão” ou “O Assalto ao Trem Pagador”. Não perde o bom humor nem com referências ao Fiat Elba que contribui para sua queda da Presidência em 1992.

Tanta interação teve o ápice em março, quando ele prometeu sortear uma visita a Brasília com direito a café na Casa da Dinda e tour pelo Senado. Segundo sua assessoria, a ideia está momentaneamente suspensa e será retomada quando a situação da Covid permitir.

No quesito interação com o eleitor, Collor é seguido de perto por seu oponente na eleição presidencial de 1989, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O petista não costuma usar ironia com frequência, mas dá dicas de filmes, estimula os seguidores a postarem fotos e pede sugestões de legendas para imagens. Todas iniciativas destinadas a aumentar o engajamento com eleitores às vésperas do início da campanha.

Outro que surpreendeu por um comportamento nas redes sociais destoante de sua imagem pública é o presidente da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

Enquanto na comissão ele é o parlamentar sisudo que pressiona os depoentes a darem respostas objetivas, na internet Aziz não costuma perder a piada.

No auge da discussão sobre o “gabinete paralelo” de assessoramento a Bolsonaro na pandemia, ele indicou “O Gabinete do Dr. Caligari”, filme de horror alemão dos anos 1920, para os seguidores, ao lado de um emoji de piscadela.

Também disse que assistiria a “Retroceder Nunca, Render-se Jamais”, filme de luta dos anos 1980, em referências às pressões vem sofrendo.

“O marketing tradicional engessa demais os políticos. Isso podia ser aceitável até dez anos atrás, mas hoje em dia não dá mais”, diz Márcio Noronha, coordenador de comunicação de Aziz.

Segundo ele, o senador é brincalhão no trato pessoal, o que facilita que essa persona seja transferida para o universo das redes sociais. “O senador é aquilo que a gente vê no Twitter mesmo.”

Aziz, que deve disputar a reeleição para o Senado, sempre é consultado sobre iniciativas que sua equipe propõe, mas em geral tem dado aval.

Foi assim com um conjunto de figurinhas para aplicativos que o mostram em diversas situações na CPI, ou quando aceitou participar de um podcast satírico de política, o República Debochevique.

“Muitas vezes os políticos são de início relutantes com esse tipo de comunicação, por conta da tradição mais engessada, mais formal. Mas depois que veem o resultado, eles gostam, acabam dando autonomia”, afirma Noronha.

Fábio Zanini/Folhapress

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