A indiferença do Ocidente perante Putin e Xi Jinping equipara-se à complacência que temos com Marcelo, Costa, Ferro e Medina. A indiferença é a nova cortina de ferro que desce sobre os nossos espíritos. André Abrantes Amaral via Observador:
No
mesmo dia em que está imposta uma cerca sanitária à Área Metropolitana
de Lisboa, o Presidente da República e o presidente da Assembleia da
República preparavam-se para sair de Lisboa para assistir a um jogo de
futebol em Sevilha. Marcelo justifica-se por ter a vacinação completa
esquecendo (como sucede quando lhe convém) que é presidente de TODOS os
Portugueses e que deve dar o exemplo que se aguardava viesse de cima.
Marcelo e Ferro não queriam perder o jogo; há quem não queira deixar de
visitar a família e não o possa fazer porque esta se encontra fora da
Área Metropolitana de Lisboa. Cidadãos que, não estando vacinados, podem
até não ter condições para pagar um teste à Covid-19. Devidamente
vacinados, Marcelo e Ferro não queriam ser prejudicados em virtude do
mandato que exercem e, por esse motivo, deixar de assistir ao jogo no
estádio. Ora, ninguém lhes pediu para estarem nos cargos que ocupam.
Ninguém lhes pediu que quisessem a responsabilidade, mas a partir do
momento em que a desejaram e esta lhes foi confiada, exige-se que a
assumam.
Não
é fácil ser Presidente da República ou a segunda figura do Estado. É
algo com significado e que se devia concretizar numa acção e atitude
dignas do cargo.
Entretanto,
a Câmara Municipal de Lisboa envia dados de manifestantes aos homens
fortes da Rússia, Arábia Saudita e Irão. Não estamos a falar de
democracias, mas de ditaduras que exercem o poder com mão pesada, que
prendem, batem e matam. Naturalmente, não passa pela cabeça de ninguém
que a actuação da autarquia lisboeta tenha sido intencional, como o PS
(numa técnica que já farta) refere com vista a ridicularizar a crítica
e, dessa forma, a diminuir; porque o que está em causa não é a intenção,
mas a negligência, a falta de cuidado e consideração pela vida alheia,
pelos direitos humanos, uma negligência com consequências políticas e
que exige responsabilidade política.
Também
não deve ser fácil ser presidente da maior autarquia do país. É algo
com significado e que se devia concretizar numa acção e atitude dignas
do cargo.
Mas
há mais: de acordo com o Expresso, as principais páginas online do SNS
passaram à Google dados de tráfego sobre os seus utilizadores. A
utilização posterior que a empresa faz desses dados é, como não podia
deixar de ser, comercial. Segundo o mesmo jornal, esta partilha de dados
dos utilizadores alastrou-se aos sites da Assembleia da República, da
GNR e da PSP, entre outros. Ou seja, de cada vez que utilizamos estes
sites do Estado, as nossas preferências digitais vão parar a uma
multinacional que nos quer vender produtos e condicionar as nossas
escolhas. A internet é uma bolha que reduz o mundo às pesquisas que
fazemos, facto que se acentua quando uma empresa detém o maior motor de
busca na rede. Este simples facto não é necessariamente um problema pois
há motores de busca alternativos ao da Google, bastando para o seu uso
uma nova habituação. Apesar de a partilha de dados de tráfego com a
Google não se equiparar à partilha de dados pessoais com a Rússia,
Arábia Saudita e Irão, o ponto é que não seria de esperar que o Estado
português contribuísse para o esforço montado a partir de Mountain View,
na Califórnia, com vista ao condicionamento das nossas escolhas
digitais. Na verdade, um Estado de Direito deve pugnar pela liberdade de
escolha; não pelo seu condicionamento, qualquer que este seja e venha
de onde vier.
Vivemos
dias de restrições das liberdades que recebemos de forma acrítica. A
Rússia prende opositores, a China fecha jornais que escrutinam a
actuação do seu governo. O encolher de ombros com que os governos
ocidentais encaram estes atentados às liberdades é equivalente à atitude
que temos perante o comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa, António
Costa, Ferro Rodrigues e Fernando Medina. Também neste caso a gravidade
do comportamento dos primeiros não é comparável aos últimos, mas a
apatia perante qualquer deles é semelhante. A indiferença é a nova
cortina de ferro que se abate, desta vez não sobre a Europa, mas sobre
os nossos espíritos; sobre a nossa resistência interior, a nossa crença
mais profunda, os nossos valores mais altos. É essa indiferença que
permite a desigualdade que se acentua entre os cidadãos que estão longe
ou fora do sistema de poder que governa Portugal e os que dele se
abeiraram e dele beneficiam.
Ao
contrário do que sucedeu há dez anos, a crise da década que neste ano
se inicia não será apenas económica, mas também política e cultural,
pois são as bases do mundo tal como o conhecemos e ao qual nos
habituámos que estão a ser abaladas. Vamos precisar de muito
sangue-frio, serenidade e intrepidez para deixarmos aos nossos filhos um
mundo tão bom quanto o que os nossos pais nos legaram.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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