A liberdade é conquista diária, luta árdua contra todos aqueles que
tentam relativizá-la ou aboli-la sob a alegação de que é para o nosso
bem. Coluna de Bruno Garschagen para a Oeste:
A história do Estado moderno é a história do aumento do poder do
Estado. Trata-se, portanto, da história da criação e da ampliação dos
mecanismos de controle da vida em sociedade. Isso significa que o
desenvolvimento do Estado teve como corolário a redução das liberdades
individuais sob justificativas diversas de acordo com cada época. Hoje,
no mundo, usa-se a pandemia do coronavírus. Depois, como no passado,
será qualquer outro pretexto mais ou menos justificável.
É curioso que faça parte do imaginário popular e, pior, equívoco
ratificado por professores, a ideia falsa segundo a qual as antigas
monarquias, mesmo as absolutas, eram mais violadoras das liberdades do
que o Estado moderno. O fato é que, embora os poderes políticos
estivessem concentrados em suas mãos, nenhum rei tinha tantos poderes e
tantos mecanismos para intervenções diversas quanto os que hoje estão à
disposição de líderes de países democráticos.
A natureza expansionista do Estado, segundo Bertrand de Jouvenel em
seu livro Poder – História Natural do Seu Crescimento, significa que o
poder nas mãos dos políticos e dos agentes estatais tende a ficar cada
vez maior — e foi assim ao longo da história.
As duas guerras mundiais no século 20 aceleraram essa expansão e
anabolizaram o poder político. O crescimento se deu de forma tão
engenhosa, dotando o aparelho governamental de instrumentos
operacionais, legais e jurídicos, que as tentativas para contê-lo ou não
têm eficácia adequada ou são neutralizadas por outras normas.
A própria criação de leis para reduzir os poderes das instituições
políticas pode não funcionar a contento. Em determinados casos é
preferível a revogação ou derrogação do que a criação de mais leis.
Mesmo assim, todo o esforço deve ser dirigido para estabelecer limites
prudentes em forma de “restrições constitucionais, freios e contrapesos
políticos” para controlar o poder e as paixões humanas. São essas “redes
de restrições sobre a vontade e o apetite” que, segundo Russell Kirk em
A Política da Prudência (É Realizações, 2013), o conservador defende
“como instrumentos da liberdade e da ordem”.
No âmbito jurídico, segundo o jurista brasileiro Ibsen Noronha em seu
livro Da Contra-revolução e Seus Inimigos (Editora Resistência
Cultural, 2018), o Estado onipotente passou a ser justificado a partir
da hipertrofia da lei como única fonte do Direito, da negação da
especulação filosófica do Direito, do esvaziamento do lastro no direito
natural, da redução do conceito de Direito a “um comando imposto pelo
legislador”.
O conhecimento desse problema nos permite ter uma percepção aguçada
para identificar leis e decisões políticas que, em nome da igualdade ou
de qualquer outra coisa, propõem “organizar a sociedade para o bem maior
de todos” a partir do controle, marginalização ou proibição de
determinadas atividades humanas. O seu resultado é, entretanto, um
“desprezo pela liberdade”, segundo observou Roger Scruton em seu Como
Ser um Conservador (Editora Record, 2015).
Diante desse panorama hostil, constituído por Estados mais ou menos
intervencionistas, dos totalitários aos democráticos, faz-se necessário
restaurar ou desenvolver a liberdade não como categoria ou princípio
absoluto, mas como prática concreta de uma comunidade. O valor que a ela
atribuímos orienta nossa conduta individual e a cobrança que deve ser
feita sobre os políticos. Um chão comum de valorização da liberdade no
seio da sociedade permite que reconheçamos seus amigos e inimigos, que
apoiemos seus defensores e rejeitemos seus adversários — dentro e fora
da política.
Sob uma perspectiva conservadora, a liberdade está vinculada à ordem
(transcendental, moral, política). Em vários países são perceptíveis os
graus distintos de desordem que antecedem a pandemia. No Brasil, a
desordem é mais aguda porque mais antiga, porque é a natureza da própria
ordem que, contraditoriamente, se desenvolve desde o golpe militar
republicano que instituiu o presidencialismo em 15 de novembro de 1889.
Crise política é o padrão de nossa história desde então, não sua
exceção.
Atualmente, soma-se à manifesta inabilidade e incompetência dos
políticos diante do novo coronavírus a desordem institucional provocada
pelos representantes e integrantes dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário (federal, estadual, municipal). É igualmente inaceitável que,
a cada crise, quem quer que seja, tanto mais grave se for um
presidente, considere como solução o uso das Forças Armadas, seja
invocando o artigo 142 da Constituição ou, sem usar eufemismo, propondo
um golpe militar.
Que fique claro: todas as intervenções militares no Brasil, a começar
pela de 1889, produziram consequências negativas tão profundas que só
ignorância histórica ou delírio podem explicar a defesa de tal
insanidade. Perante o fracasso da política, o golpe militar é a solução
mais fácil de ser proposta e a mais difícil de ser revertida.
Para quem se considera de direita, tanto mais grave, pois foi o
regime militar de 1964 a 1985 que destruiu a direita conservadora e
liberal (intelectual e política) existente à época. O símbolo maior
desse processo talvez tenha sido Carlos Lacerda, que apoiou a revolução e
foi logo depois guilhotinado por ela.
Eis o imperativo categórico: liberdade é conquista diária, luta árdua
contra todos aqueles que tentam relativizá-la ou aboli-la sob a
alegação de que é para nosso bem. A liberdade só é um direito garantido
por lei porque na tipificação reside a ideia de que ao Estado cabe
protegê-la, não concedê-la muito menos destruí-la.
Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário serão sempre uma
ameaça às liberdades se a sociedade não impedir suas eventuais ou
sistemáticas tentativas de violá-las. Se não lutarmos diariamente por
nossa liberdade, que é uma conquista não um mero direito, repito o que
já escrevi: quando nos dermos conta, não haverá nada mais a perder
porque não haverá nada mais por que lutar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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