O que interessa é o seguinte: como reagir com eficácia ao discurso em favor da desordem? Coluna de J. R. Guzzo no Estadão:
Já não existe mais nada a dizer, à esta altura, em matéria de
condenação à gritaria, nas redes sociais e por trás delas, que pede o
fechamento do Supremo Tribunal Federal, “cadeia” para os seus ministros e eliminação do Congresso Nacional
– ou a outros sermões histéricos que poluem o debate político do Brasil
de hoje. Todo esse xingatório de arquibancada vale nota zero dos pontos
de vista moral, político e legal; tem mesmo de ser denunciado com
clareza, por sua malignidade congênita, como é o caso de todos os
extremismos, de uma ponta a outra do arco-íris. Isso se deve fazer
sempre. A questão, agora, vai além de denunciar o que se diz na
internet. O que interessa é o seguinte: como reagir com eficácia ao
discurso em favor da desordem?
Uma das sugestões mais sensatas e realistas para lidar com o problema vem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF – justo do STF, em nome do qual seu colega Alexandre de Moraes
conduz desde março de 2019 um obscuro inquérito criminal para
investigar ofensas, falsidades e outras agressões verbais contra o
tribunal, seus ministros e suas famílias. Barroso acredita que a maneira
mais produtiva de tratar o problema não é na polícia, mas no exercício
da própria liberdade de expressão posta em xeque no inquérito de Moraes.
Após observar que a internet permitiu o aparecimento de “fontes de
informação independentes” e aumentou o “pluralismo de ideias em
circulação”, mas abriu espaço para os “terroristas virtuais”, Barroso
disse que “a atuação da Justiça é limitada” quando se trata de resolver
esses desvios. Sugeriu, então, combater a mentira e as notícias falsas
com a livre exposição dos fatos capazes de revelar o que realmente
acontece.
“Os principais atores no enfrentamento das fake news hão de ser as
mídias sociais, a imprensa profissional e a própria sociedade”, disse o
ministro no discurso que fez ao assumir suas funções como novo
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Haveria alguma ideia melhor para combater o tráfego de notícias falsas
sem ferir o direito de livre manifestação do pensamento? Se houver, não
apareceu até agora. Com certeza, não é censurar órgãos de imprensa, como
já fez Moraes – ou mandar a polícia apreender celulares, revistar casas
de pessoas que não estão indiciadas no inquérito que investiga suas
ações, convocar para depor deputados em exercício de seus mandatos e
outras aberrações do mesmo tipo.
O centro do problema, na verdade, não está aí. Não se trata de saber o
que as pessoas falam, mesmo porque estão falando em público, sem
segredo nenhum, e sim o que fazem – e, mais que isso, de saber quem faz o
quê. Ninguém, obviamente, fecha o Supremo, elimina o Congresso Nacional
e dá um golpe de Estado fazendo postagens no Twitter; tudo isso pode
ser feito unicamente com tanque de guerra, paraquedista e fuzil
automático, coisas que só as Forças Armadas
têm. Tanto faz o que o empresário Zé ou o blogueiro Mané estão falando
nas redes sociais – conversa que não se transforma em ação é só
conversa. O que importa é se os chefes militares que estão aí, no
exercício de suas funções, no comando de suas tropas e com nome, CPF e
endereço conhecidos, querem ou não querem fechar o Supremo, etc. Se não
quiserem, como dizem o tempo todo em público e em particular que não
querem, não vai acontecer nada com a democracia. Se um dia quiserem, os
inquéritos do ministro Moraes não vão servir para absolutamente nada.
Não haverá saída para a questão das fake news, ou qualquer outra,
fora da paz e da legalidade. Jogar gasolina na fogueira do confronto só
vai dar conforto aos extremistas, de qualquer dos lados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário