“Se eu morrer, saibam quem me matou”A crônica de Ignácio de Loyola Brandão levou-me a tecer algumas considerações psicológicas juntamente com Nara Resende, minha mais recente amiga e colega de profissão.
Resumidamente, o contista, romancista, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras, aos 83 anos escreve:
“Esta é a crônica mais delirante e real que escrevi nestes meus 27 anos neste jornal. Se eu morrer de covid-19, saibam que fui assassinado. Sei que posso ser morto apesar dos cuidados que tomo. Estou há́ 50 dias encerrado em casa. Não desço sequer para atender motoboys que trazem medicamentos, compras de supermercados ou refeições. Gastei hectolitros de álcool gel, cheguei ao máximo de, após receber uma ligação, dar um banho no telefone com medo de ser contaminado pelo som.
Quando vejo noticiário, desligo se o presidente começa a falar, enraivecido, espalhando perdigotos, tossindo, espirrando, dando a mão, insensível, abusado. Tenho medo de ser infectado. Aqueles olhos claros que poderiam ser amorosos e cordiais nos fuzilam com chispas de ódio. Como deve sofrer quem vive assim na defensiva.’’(...)Os sintomas que o autor descreve, quadro de pânico, angústia, depressão, mania de perseguição, medo de perder o controle, medo de morrer, são comuuns em um idoso que faz parte do grupo de risco, e agravado pelo isolamento social que o coloca em situação de solidão e confronto com seus medos. Nos rituais de cuidados físicos fica evidente o desequilíbrio psicológico. Uma condição que põe à prova a saúde mental de todos nós. Portanto, é inútil culpar quem quer que seja. Culpar o presidente, como é o caso, é uma tentativa irrealista de proteger a si mesmo. Pois, eis o que diz:
“Sei que posso morrer apesar dos cuidados que tomo”Qual é, de fato, o sofrimento? O medo de pegar a COVID 19 ou o terror do ódio que já́ o teria infectado?
É verdade que o escritor sabe que sua crônica é delirante, porém pode não se dar conta de que o mecanismo psicológico que está predominando em suas letras é o da cisão, ou seja, joga para fora aquilo que o aterroriza como meio de se sentir menos desamparado e inseguro.
Precisa, desesperadamente, de alguém para projetar o horror que mora dentro de sua mente. É insano culpar o presidente, porém ao fazê-lo, cria a fantasia de que encontrou o lugar de seu mal, fora, no mundo externo. Fazendo uso deste mecanismo de defesa, a angústia teria fim? Não morreria mais de COVID 19?
O ilustre escritor, cujo maior medo confesso é não ser lido, parece revelar nessa triste crônica um pedido de socorro. Medo da realidade da morte, gostaria de se eterno?
Foi preciso recorrer a Dona Ursulina para dizer que o presidente é um demônio. Poderia o Presidente, aos 65 anos de idade, quase vinte anos mais jovem representar o auge do sucesso e assim despertar a recordação dos seus anos de brilhantismo que se foram? A inveja não permite a apreciação do florescer do outro, precisa retirar o mérito para não se sentir pequeno, minúsculo, morto.
“Há idosos que envelhecem com sabedoria, outros não.”Quem seria o sábio? O escritor de 83 anos? É sábio demonizar um presidente eleito democraticamente por milhões de brasileiros?
O autor chega ao ápice da sua persecutoriedade quando chama de “seita” os apoiadores do governo e excomunga os que fazem carreatas pedindo para trabalhar, os que querem o direito de usar a hidroxicloroquina, os que não concordam com as arbitrariedades dos outros poderes. Morram todos! Não é mesmo senhor escritor?
Vejo aqui um egoísmo próprio de quem andou a vida toda com a perna esquerda e não reconhece que é possível ter duas pernas, a direita.
Tal é o desconforto que seguem as perguntas dirigidas a alguém que imagina que irá lhe responder e aplacar a sua angústia.
“O que aconteceu, gente? Estamos anestesiados? Hipnotizados? Amortecidos? Deprimidos? Ou temos fumado muito, mas muito, muito crack?”Flashes da realidade se apresentam nesse trecho ao admitir a própria incapacidade de discernimento entre mundo interno e mundo externo. O entorpecimento das ideias é capaz de transformar atitudes protetoras em perseguidoras.
A proposta do governo é a de proteger todas as formas de saúde; econômica, social e emocional. O Brasil inteiro sofre com o impacto de qualquer atitude, mas parece que essas pessoas simplesmente não existem para o autor. Só́ a si mesmo e o próprio umbigo. Não demonstrou compaixão por seus iguais. Nem mesmo por quem pensa diferente. Acaso não lhe ocorre que os eleitores do presidente podem também ser os seus leitores?
Contudo, nesse momento de fragilidade, devemos lembrar que somos humanos.
“Algum deus está de olho.” Está de olho em todas as criaturas, sem exceção.
Como disse Rubem Alves:
“Nós não vemos o que vemos, nós vemos o que somos. Só́ veem as belezas do mundo, aqueles que têm belezas dentro de si.”Será́ que não está na hora do autor resgatar as belezas que há dentro de si?
E, “Se for pra chorar, que seja de alegria”.
Por: Bernadete Freire Campos, Psicóloga. Nara Resende, Psicóloga.
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