O ex-ministro afirmou que se sentia desconfortável no governo Bolsonaro,
que não fez nenhum esforço para aprovar as medidas anticorrupção:
O ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, disse
em entrevista à revista Crusoé que se sentia “desconfortável” no governo
Bolsonaro e que pensou em deixar o cargo de ministro em outras
oportunidades antes de abril deste ano. Ele também reclamou de uma
suposta falta de empenho do Palácio no Planalto em aprovar medidas
anticorrupção e sugeriu que o presidente tentou blindar seu filho, o
senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), ao analisar os vetos ao
pacote anticrime aprovado pelo Congresso, no final do ano passado.
Moro disse ainda que o presidente tem “dificuldade de separar a
atuação do órgão de Estado das vontades do governante” e revelou um
pedido para que cedesse policiais federais para o Palácio do Planalto. O
objetivo seria montar uma "Abin paralela".
“Eu me sentia desconfortável em vários aspectos do governo: pela
agressividade com a imprensa, pelo estímulo à violência, ao ódio e, mais
recentemente, pela atuação, ou pela não atuação, ou pela descoordenação
completa do governo federal em relação ao combate ao coronavírus”,
disse o ex-ministro.
Moro afirmou que sempre defendeu o isolamento social e que alertou o
presidente sobre isso mais de uma vez. “Mas a proposta do governo
federal é negacionista”, lamentou Moro.
Sugestão de vetos ao pacote anticrime
O ex-ministro reclamou, ainda, da falta de apoio do presidente ao
pacote anticrime apresentado por ele no início de 2019 no Congresso.
Moro também se queixou dos vetos sugeridos que o presidente não acolheu e
traça uma relação com o caso do senador Flávio Bolsonaro, alvo de
investigações. Moro se refere a mudanças no pacote anticrime que
restringia a decretação de prisões preventivas e restringia acordos de
colaboração premiada.
“Propusemos vetos, e me chamou muita atenção o presidente não ter
acolhido essas propostas de veto, especialmente se levarmos em conta o
discurso dele tão incisivo contra a corrupção e a impunidade. Limitar
acordos e prisão preventiva bate de frente com esse discurso. Isso
aconteceu em dezembro de 2019, mesmo mês em que foram feitas buscas
relacionadas ao filho do presidente”, disse o ex-ministro à Crusoé.
Moro disse que no governo Bolsonaro foi “ao máximo do que poderia
fazer” no combate à corrupção e admite ter sido difícil avançar nesta
área. “Entre os motivos estava a falta de apoio do Palácio do Planalto”,
afirmou.
Interferência na Polícia Federal e "Abin paralela"
Sobre a suposta interferência do presidente na Polícia Federal, Moro
disse que “as razões que foram externadas pelo presidente” para a troca
do diretor-geral da corporação “são perturbadoras”. “Não dá para
submeter a Polícia Federal a esse tipo de vontade”, completou o
ex-ministro. Ele não especifica quais seriam essas razões claramente.
Moro disse que deixou o governo com o objetivo de proteger a PF. O
resultado, segundo o ex-ministro, foi positivo. “Mesmo no caso da
superintendência do Rio de Janeiro, em que pese ter havido a
substituição do superintendente, na minha opinião houve um recuo do
presidente porque não foi indicado quem era o nome da preferência do
presidente”, disse.
A troca no comando da PF no Rio de Janeiro foi o primeiro ato de
Rolando de Souza como diretor-geral da corporação. Ele nomeou Carlos
Henrique de Oliveira, então superintendente no estado, para o cargo de
diretor-executivo — o número dois na hierarquia da PF — e quem assumiu
foi Tácio Muzzi, indicado por Oliveira. O presidente tinha tentado, no
ano passado, nomear Alexandre Saraiva para o cargo.
Moro também falou à revista sobre o plano do vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos-RJ) de criar um sistema de inteligência
particular no Palácio do Planalto, uma espécie de "Abin paralela".
Segundo o ex-ministro, o plano foi abortado, mas no início de 2019 houve
“solicitações informais para que nós cedêssemos um número até
significativo de policiais federais para atuar diretamente no Palácio do
Planalto”.
Segundo Moro, eram cinco policiais federais que teriam sido convocados informalmente para atuar no Planalto.
Pouco espaço para o contraditório
Ao ser questionado sobre a falta de reação durante a reunião
ministerial do dia 22 de abril, Moro afirmou que havia pouco espaço para
o contraditório no governo e criticou a vontade de Bolsonaro de “armar a
população”.
“A reunião deveria ser para discutir problemas da pandemia. E o que
foi discutido da pandemia ali foi basicamente armar a população para se
opor a medidas de isolamento e quarentena, que é algo extravagante, para
dizer o mínimo”, disse Moro.
Mesmo achando a medida extravagante, no dia seguinte Moro assinou a
portaria a que Bolsonaro se referia na reunião, com novas regras sobre
armamento e munição.
Moro também falou sobre a hipótese de se candidatar a presidente em
2022. “É uma questão que nem passa pela minha cabeça nesse momento”,
disse o ex-juiz. Ele disse, ainda, que precisa se reinventar após ter
saído do governo Bolsonaro. (Gazeta do Povo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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