A persistência de Biden e a ascensão de Bloomberg mostram que os
eleitores democratas querem contra Donald Trump um candidato bom de voto
e de capacidade de agregação - o que falta a "Crazy" Bernie. Vilma
Gryzinski, na edição impressa de Veja:
Você é a favor do aborto? E da posse de armas? Se a resposta for “em
determinadas circunstâncias”, no primeiro caso, ou “dentro de parâmetros
responsáveis”, no segundo, você é de centro. E, meu amigo, você está
ferrado. Seja nos almoços familiares, seja entre os nomes mais
cintilantes da política, ninguém quer saber de você. “Em cima do muro” é
o mínimo que vai ouvir, para não mencionar o “isentão”, que é
engraçado, mas pode ser usado como uma arma de silenciamento em massa.
O centro político — atenção, não confundir com Centrão, ou “A Bolha”,
invenção brasileira geneticamente modificada para se especializar em
tenebrosas transações — é o espaço onde a maioria da humanidade, dada a
opção, transita. A economia de mercado já mais do que comprovou que é a
melhor para promover a maior quantidade de riquezas para a maior
quantidade de pessoas. Aquelas grandes frestas por onde caem os mais
vulneráveis ou os menos preparados devem ser compensadas ativamente;
humanidade é uma virtude, não um palavrão, e ter opiniões conflitantes
sobre assuntos complexos, como transexualidade ou imigração em massa,
não significa que alguma das partes deva ser confinada a golpes de
humilhação digital ao sétimo dos círculos das redes sociais. “Idealismo
sem ilusões” foi uma das expressões genialmente criadas pelos “melhores e
mais inteligentes” que John Kennedy reuniu para tocar seu programa de
governo, moldar, pioneiramente, a narrativa da própria história e
definir sua linha política.
É até doloroso imaginar que o “caminho do meio”, cheio de ideias
reformistas para melhorar as condições sociais dos mais pobres e dos
menos brandos, sem contar a firmeza de quem olhou a poderosa União
Soviética e não piscou, até quase a beirinha do conflito nuclear, hoje
está sendo defendido por um bilionário de maus bofes como Michael
Bloomberg e um político com estilo mata-borrão como Joe Biden — tudo o
que chega perto dele vira mancha informe.
A persistência de Biden e a ascensão de Bloomberg mostram que os
eleitores democratas querem varrer Donald Trump do mapa com um candidato
bom de voto e de capacidade de agregação. Não com as insanidades de um
candidato como Bernie Sanders, que faz sucesso com estudantes (e
professores) universitários e celebridades de Hollywood mas dificilmente
vai convencer o eleitor que votou em Trump da última vez e está
considerando uma alternativa.
Os percalços do caminho centrista, que parecia tão promissor na época
da Terceira Via representada por Tony Blair (é melhor nem mencionar
esse nome hoje) e Bill Clinton (é melhor nem mencionar o nome Monica
Lewinsky perto dele hoje), atormentam atualmente dois dos mais
importantes líderes europeus. Emmanuel Macron, tão espetacularmente
promissor, patina na versão francesa da Bolha, que não permite
desengessar o país, e nem com maioria no Congresso consegue fazer a
reforma da Previdência. Seu inovador partido criado do nada anda
perdendo integrantes. Angela Merkel vai deixar a Alemanha, sem contar o
próprio partido, sem leme. Antes mesmo de assumir, sua sucessora
renunciou por não conseguir controlar a virada para a direita da
Democracia Cristã. Procurar o “caminho do meio” na política não é para
fracos. Ao contrário, é para destemidos.
Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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