Sim, eles lutaram contra a ditadura civil-militar, mas não para devolver
o país à democracia, e sim para instalar uma ditadura comunista nos
moldes soviético ou cubano. Reportagem da Gazeta do Povo:
Dois anos após o começo do regime militar no Brasil, grupos armados
de esquerda começaram uma articulação que colocou o país em um estado de
guerra civil não-declarada. Entre 1966 e 1974, a esquerda armada roubou
3,8 milhões de dólares — valor que fez da guerrilha brasileira a mais
rica do mundo na época. No auge das ações, entre 1968 e 1971, os
militantes assaltaram 154 bancos e carros-fortes.
A atuação também envolvia atentados: os grupos realizaram cerca de 40
atentados a bomba, sequestraram oito aviões comerciais e quatro
diplomatas (único momento da história em que houve sequestro de
embaixadores no Brasil).
Abaixo, os principais grupos da esquerda armada brasileira e suas ações durante o regime militar.
Aliança Libertadora Nacional (ALN)
Umas das principais organizações da esquerda armada, a Aliança
Libertadora Nacional (ALN) foi criada em 1968 por Carlos Marighella,
Joaquim Câmara Ferreira e Virgílio Gomes da Silva, dissidentes do
Partido Comunista Brasileiro (PCB). O objetivo do grupo era combater o
regime militar com luta armada e instaurar um “governo popular
revolucionário” no Brasil.
A origem do grupo está na dissidência de Marighella ao PCB. Em 1966,
ele publicou um artigo defendendo a luta armada para instaurar um regime
de esquerda no Brasil. A ideia era contrária aos objetivos do PCB, que
defendia vias pacíficas. No ano seguinte, Marighella foi expulso do PCB
e, um ano depois, criou a ANL.
O grupo operava como guerrilha urbana, recorrendo a assaltos a bancos
para a obtenção de fundos. A organização também foi responsável por
atentados com explosões e sequestro de embaixador norte-americano,
Charles Burke Elbrick, e do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben,
trocado por 44 presos políticos. A ALN aplicava táticas de guerrilha
também aos membros internos: militantes considerados traidores ou
dissidentes eram executados nos chamados “justiçamentos”.
A ALN começou a enfraquecer após a morte de Marighella, em 1969. O
processo de dissolução começou em 1971, com a prisão de Joaquim Câmara
Ferreira, último líder da organização. Após o fim da ALN, uma parte dos
remanescentes ingressou no PCB e outra parte entrou para a equipe da
revista Debates, publicada no exterior. Esta última facção deu origem à
União dos Comunistas.
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)
Movimento político-militar, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)
era formada majoritariamente por estudantes e ex-militares dissidentes
da Política Operária (Polop) e ex-integrantes do Movimento Nacionalista
Revolucionário (MNR).
A VPR se organizava em células de três militantes que não tinham
comunicação umas com as outras. Um membro de cada célula integrava um
escalão superior, também formado por três pessoas. Essa sucessão seguia
até o nível mais alto da organização.
Assim como a maioria dos grupos de esquerda armada, a VPR praticava
assaltos a bancos para financiar as atividades. O grupo teve
participação no sequestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben,
realizado em 1970, em uma ação conjunta com a ALN.
A organização focava em ações militares. Na mais famosa delas, em
1969, o capitão do Exército Carlos Lamarca passou para a clandestinidade
levando 63 fuzis FAL, dez metralhadoras Ina e munição do quartel do 4º
Regimento de Infantaria, em Quitaúna, São Paulo. Principal capitão da
VPR, Lamarca rompeu com a organização em 1971 e passou a integrar o
MR-8.
A VPR sofreu crises internas devido a discordâncias de atuação. O
setor militar defendia a luta armada, enquanto o setor intelectual
afirmava que era necessário um trabalho inicial de conscientização lenta
e gradual das massas. As divergências levaram à fusão, em 1969, da VPR
com o Comando de Libertação Nacional (Colina), dando origem à Vanguarda
Armada Revolucionária - Palmares (VAR-Palmares).
O grupo encerrou as atividades após 1972, quando José Anselmo dos
Santos, o cabo Anselmo, assumiu a liderança. Suspeito de ser policial
infiltrado, Anselmo foi o único sobrevivente de uma ação policial que
dizimou seis membros da VAR em Recife naquele mesmo ano.
VAR-Palmares
A Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares (VAR-Palmares) foi uma
organização político-militar surgida a partir da fusão entre o Comando
da Libertação Nacional (Colina), a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR) e outros grupos revolucionários do Sul do país e da Bahia.
A ação mais famosa do VAR-Palmares foi o roubo ao cofre do
ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que rendeu ao grupo pelo
menos 2,5 milhões de dólares. O também grupo planejou o sequestro do
Ministro da Fazenda, Delfim Neto, mas membros foram presos antes da
ação.
O grupo surgiu durante o ápice do embate entre o regime militar e a
esquerda armada, em 1969. Mas a organização teve vida curta: foi
desmantelada pelo recém-criado órgão de inteligência do exército,
Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-CODI).
Ao mesmo tempo, divergências quanto à estratégia militar levaram ao
êxodo da maioria de seus integrantes, que retornaram à VPR.
Desestruturada e impossibilitada de desenvolver ações armadas, com seus
líderes presos ou mortos pela polícia, a VAR-Palmares chegou ao fim em
1971.
MR-8
Batizado em homenagem à data da morte de Ernesto “Che” Guevara, o
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) foi a denominação de dois
movimentos de guerrilha. O primeiro era formado por dissidentes do PCB
no estado do Rio de Janeiro e foi dizimado pela polícia em agosto de
1969. O segundo, também formado por dissidentes do PCB, permanece até
hoje.
De forma similar à ALN, o MR-8 foi criado porque membros do PCB não
concordavam com a abordagem pacífica do partido. A operação da
organização também era similar à outra: se valiam de assaltos a bancos
para obter recursos financeiros. O MR-8 participou também do sequestro
do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, juntamente com o
ALN, em troca da libertação de prisioneiros militantes.
A permanência do nome MR-8, após a derrota do grupo original, foi uma
tentativa de desmoralizar a polícia — objetivo central da organização.
Isso se refletia em uma das ações do grupo: assaltos a quartéis.
O MR-8 começou a mudar em 1971, com a morte de Carlos Lamarca, que
havia tentado instaurar núcleos de guerrilha no interior da Bahia. A
partir disso, o movimento passou a defender a as liberdades
democráticas, bem como a formação de uma frente popular pela
redemocratização do país. Uma das ações neste sentido foi a entrada no
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), após a extinção do
bipartidarismo, em 1979.
Agora, os dias de esquerda armada do MR-8 ficaram para trás. Com o
alinhamento ao MDB, o grupo passou a adotar o pacifismo e se afastar dos
ideias comunistas, o que lhe rendeu acusações de dissidentes de ter
virado à direita. O objetivo passou a ser aproximar da juventude,
promovendo um encontro nacional de jovens e apoiando o Rock in Rio. No
campo político, a organização segue apoiando o MDB e seus candidatos.
Uma parte do grupo ajudou o Partido Pátria Livre (PPL), que lançou João
Goulart Filho nas eleições presidenciais de 2018, mas depois foi
incorporado ao PCdoB.
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Fundado em 1922, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) tinha como
objetivo promover a revolução proletária no Brasil e conquistar o poder
político para instaurar o sistema socialista. Considerado o partido mais
antigo do Brasil, teve a maior parte da sua existência na ilegalidade.
Durante os primeiros anos do regime militar, o PCB passou por uma
crise interior devido à estratégia de embate aos militares. Um grupo de
dissidentes, liderado por Carlos Marighella, acusava o partido e o líder
Luis Carlos Prestes de não terem se preparado para dar início à luta
armada. Após a polícia apreender cadernos de Prestes contendo os
contatos que ele estabelecia com personalidades políticas de outros
partidos, sua liderança enfraqueceu e o partido descentralizou.
Em 1968, o PCB participou da articulação da Passeata dos Cem Mil,
manifestação realizada no Rio de Janeiro que contou com a participação
de cerca de cem mil pessoas. O objetivo era protestar contra uma ação da
polícia alguns dias antes no Centro da cidade, que havia atingido
estudantes e populares. A passeata foi promovida pelo movimento
estudantil e reivindicava o restabelecimento das liberdades
democráticas, a suspensão da censura à imprensa e a concessão de mais
verbas para a educação.
Defensor de vias pacíficas para a instauração do socialismo no
Brasil, o PCB se posicionou contra ações da esquerda armada, como o
sequestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick,
praticado pela ALN e o MR-8.
Após o fim do bloco soviético no contexto mundial, o PCB passou por
uma reformulação ideológica e partidária. Em congresso realizado em
1992, foi abolido o modelo partidário marxista-leninista, junto com a
foice e o martelo, símbolos tradicionais do comunismo, assim como o nome
e a sigla do partido. De acordo com eles, o partido não estaria sendo
extinto, mas se transformando, dando origem ao Partido Popular
Socialista (PPS).
Muitos membros, entre eles Paulo Cavalcanti e Oscar Niemeyer, não
aceitaram a decisão e recorreram à Justiça. No mesmo dia da extinção, o
grupo organizou um novo congresso, decidido a manter o nome, a sigla e o
mesmo símbolo do partido.
Nas eleições de 1998, o PCB integrou a coligação de partidos de
esquerda que apoiou a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva (PT).
Após apoiar a reeleição de Lula para a presidência, o PCB rompeu com o
governo sob o argumento de que ele estaria dando continuidade à política
neoliberal.
Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (Polop)
Formada em 1961 principalmente ex-militantes trotskistas e
ex-militantes comunistas, a Organização Revolucionária Marxista -
Política Operária (Polop) era constituída majoritariamente por
intelectuais e estudantes de São Paulo, Minas Gerias e Rio de Janeiro. O
objetivo do grupo era criar condições para o surgimento de um partido
revolucionário da classe operária.
Sua atuação era de base intelectual, buscando promover a propaganda e
a agitação das massas. Nesse sentido, a Polop destacou-se pela
influência que exerceu sobre outros grupos marxistas. O grupo procurava
contestar a hegemonia político-ideológica do Partido Comunista
Brasileiro (PCB).
No pós-1964, o núcleo da Polop no Rio de Janeiro foi desarticulado
após o Centro de Informações da Marinha (Cenimar) infiltrar agentes em
suas reuniões. Em 1965, a Polop entrou em crise quando um grupo da Polop
de Minas Gerais passou a contestar as diretrizes da organização.
Em 1967, nova crise interna surgiu entre o grupo de São Paulo, que
acusava a direção da Polop de inércia e de inabilidade para capitalizar a
crise deflagrada no PCB com a expulsão de Carlos Marighella e outros.
Esse grupo defendia a luta armada e tornou-se dissidente, posteriormente
dando origem à VPR.
Comando de Libertação Nacional (COLINA)
Criado em 1967, em Minas Gerais, por dissidentes mineiros da Polop, o
Comando de Libertação Nacional (COLINA) era integrada majoritariamente
por jovens estudantes universitários.
Como as demais organizações da esquerda armada, defendia a ação
armada para libertar o Brasil da “opressão e ditadura” e,
posteriormente, criar o partido revolucionário da classe operária. A
organização defendia a atuação em duas frentes: articulação urbana a
partir da classe estudantil e operária e, no campo, a partir da tática
de guerrilha. O objetivo dessas articulações era formar um exército
popular.
Em março de 1969, o COLINA realizou sua primeira ação, um atentado
sindicato dos bancários, que encontrava-se sob intervenção devido a uma
greve da categoria. O grupo explodiu bombas nas casas do delegado e do
interventor em apoio aos grevistas. No mesmo ano, assaltou uma agência
do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais e o Banco do Brasil, em
Contagem, Minas Gerais.
O COLINA teve a participação de nomes de destaque, como o sociólogo
mineiro Juarez Guimarães de Brito e a ex-presidente Dilma Rousseff, que
participou da organização sob o nome de Wanda. Aos 22 anos, Dilma foi
presa no DOI, depois transferida para o DOPS e, posteriormente, para o
presídio Tiradentes.
Em 1969, o grupo uniu-se à VPR com o objetivo de fortalecer a
esquerda, mas a aliança acabou em discordâncias sobre a sua atuação.
Divergências internas levaram à fusão com outros grupos do sul do país e
da Bahia, dando origem à VAR-Palmares.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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