"Diz-se
que Hillary deverá ganhar vantagem nas sondagens. Sou mais pessimista. A
minha aposta é que o debate não terá qualquer impacto relevante.
Excepto, claro, no ego de Hillary e dos seus apoiantes". Do texto de
Luís Aguiar-Conraria, publicado no Observador e reproduzido abaixo na íntegra:
Nas
eleições presidenciais de 2004, eu estava nos Estados Unidos. Na
altura, o confronto era entre John Kerry e George W. Bush. E, claro,
toda a gente em Portugal queria que Kerry ganhasse. George W. Bush era
um bronco, que todos sabiam ser incapaz de liderar um grande país. Eu,
português nos EUA, não era excepção e apoiava John Kerry.
Como
se de uma Super Bowl se tratasse, juntei cerca de 15 colegas do
doutoramento para ver os debates. Como é evidente, na minha perspectiva
imparcial, John Kerry ganhou todos. Mas, há sempre um mas, havia uma
colega que achava que Bush ganhava sempre. Por coincidência, ou não, era
também a única que apoiava George W. Bush. Era a nossa mascote
republicana.
Lembro-me
de, logo no primeiro debate, o jornalista ter pedido explicações a
George W. Bush por se terem esgotado as vacinas para a gripe naquele
ano. George W. Bush dedicou toda a sua resposta a explicar como era
muito importante que as crianças, os velhinhos e os doentes fossem
vacinados. Por isso, ele próprio tinha dispensado a sua vacina. Nada
sobre as causas da falha, nada sobre o que ia ser feito para evitar
situações destas no futuro, enfim nada de substancial. Apenas se limitou
a dizer que, como era muito boa pessoa, não tinha levado a sua dose
para que alguém que necessitasse mais não ficasse sem ela. Ia eu começar
a gozar com esta (não) resposta, quando reparo que a nossa mascote
republicana olhava embevecida para a televisão. Os seus olhos
perguntavam: como era possível alguém não votar numa pessoa tão boa? Já
quando Kerry respondeu à mesma pergunta, usando argumentos inteligíveis e
falando da hipótese de trazer vacinas do Canadá, essa minha colega
simplesmente desligou. Se nessa altura houvesse iPhones, com certeza que
teria aproveitado a resposta de Kerry para consultar o email. O resto
da história é conhecida. Bush perdeu todos os debates e, para surpresa
de todo o comentariado nacional, ganhou a eleição.
Um
dos meus amigos jurou que ia mudar de nacionalidade. E assim foi:
quando acabou o doutoramento, foi dar aulas para uma universidade
inglesa e adquiriu nacionalidade britânica. Hoje, com a saída do Reino
Unido da União Europeia, quer adquirir uma outra nacionalidade europeia.
Já me perguntou se conheço alguém que queira casar com ele. Assim
adquire a nacionalidade portuguesa por casamento e, em troca, dará a
nacionalidade britânica. Pode ser com um homem, desde que fique claro
que é um casamento de conveniência sem qualquer probabilidade de
consumação do acto. Se houver alguém interessada ou interessado, por
favor contactem-me pelo email que vêem aí no fim do artigo.
Voltando
às eleições, com a (re)eleição de Bush, percebi que não podia aplicar
os nossos critérios tradicionais para avaliar as hipóteses dos
candidatos do Partido Republicano. Todo aquele universo me era estranho.
Lembro-me, por exemplo, de, em 2007, perguntarem aos candidatos
republicanos se acreditavam no evolucionismo. Depois de John McCain ter
dito que sim, que acreditava, sentiu necessidade de acrescentar que
quando vê o pôr-do-sol no Grand Canyon sente a mão de Deus. Caso
contrário arriscava-se a perder as bases.
Foi
por esta altura que passei a seguir atentamente Ann Coulter e fiz dela a
minha especialista em assuntos republicanos. Escolhi-a por diversos
motivos. Tem um sentido de humor corrosivo, usa argumentos que me
parecem completamente incoerentes, apesar de ser obviamente muito
inteligente, tem tiradas racistas, machistas e, last but not least, é
alumnada Cornell University. Ann Coulter é uma espécie de indicador
avançado da retórica da direita americana. Por exemplo, já há muitos
anos que defende que muçulmanos devem ser impedidos de andar de avião
nos Estados Unidos. Ficou até famosa a resposta que deu a uma estudante
muçulmana (Fatima de seu nome) dizendo-lhe que se não pudesse apanhar um
avião que apanhasse um camelo.
Foi
em meados de 2015 que publicou o livro “Adios, America: The Left’s Plan
to Turn Our Country into a Third World Hellhole!”, onde abriu o caminho
para o discurso anti-imigração e acusou os imigrantes latinos de serem
de uma cultura onde a violação sexual é rotina. Foi Ann Coulter que,
antes de ninguém, e perante a galhofa geral, previu que Trump ganharia a
nomeação republicana.
Para
os nossos padrões, ninguém razoável deixará de achar que Hillary
Clinton ganhou, por larga margem, o debate de segunda-feira passada.
Teve tiradas excelentes, mostrou um grande domínio de todos os assuntos,
soube lidar como ninguém com, literalmente, várias dezenas de
interrupções. A vitória foi tão clara que, no fim, Donald Trump se
queixaria de lhe terem sabotado o microfone. A maestria dela já tinha
ficado comprovada nos diversos debates em que participou com Barack
Obama nas primárias de 2008, ganhando quase todos.
Mas
a verdade é que os nossos padrões não contam. Como explica a minha
especialista em assuntos republicanos, Ann Coulter, quem vota em Trump
está apenas preocupado com a imigração e com os imigrantes. Mais do que
ser o tema mais importante, é, simplesmente, o único relevante. Sobre
esse assunto, quase nada se discutiu ontem, nem sequer se falou no muro
que Trump quer construir. Na verdade, dadas as peculiaridades do sistema
eleitoral americano, os Estados decisivos são a Florida, Michigan, Ohio
ou a Pensilvânia. E, que eu tenha dado conta, o único candidato que
falou para estes eleitores foi Trump quando se referiu aos empregos que
deixaram de existir.
Veremos como evoluirão as sondagens na próxima semana. Para já, Nate Silver não consegue apontar um claro favorito, mas acha que depois da vitória no debate, Hillary deverá ganhar alguma vantagem nassondagens.
Sou mais pessimista. A minha aposta é que este debate não terá qualquer
impacto relevante. Excepto, claro, no ego de Hillary e dos seus
apoiantes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário