Wesley Rodrigues/Hoje em Dia
Cerca de 2 mil quilos de goiabada cascão são produzidos por ano pela doceira Aparecida Ribeiro
BARÃO DE COCAIS – A fruta é silvestre, colhida nos fundos da fazenda
bem cedinho, logo aos primeiros raios de sol. Do quintal segue para a
cozinha da propriedade rural. Lá, com cuidado e atenção, a polpa é
retirada e generosos pedaços despejados no tacho pré-aquecido na
fornalha. Para o restante do preparo é fundamental força nos braços e
muita paciência. Só no fogo, são três horas para a goiabada cascão ficar
pronta.
O jeitinho mineiro de fazer o doce, tradição secular em Barão de
Cocais, na região Central, é registrado como patrimônio cultural
imaterial do município, que pleiteia, agora, a mesma proteção junto ao
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
(Iepha-MG).
A intenção é ampliar as medidas de salvaguarda e garantir a preservação
da iguaria, que promete movimentar a cidade neste sábado e domingo, na
4ª Festa da Quitanda e no 3º Festival da Goiabada. Mais de 2 mil
visitantes são esperados no distrito de Cocais, a 99 quilômetros de BH.
Goiabada
O modo artesanal das doceiras de Barão de Cocais de preparar a goiabada
tem como principal característica o trabalho familiar, em pequena
escala.
A maior parte das mulheres aprendeu o ofício com as mães, tias, avós e
sogras. Ao longo dos anos, e principalmente após o título de patrimônio,
transformações foram incorporadas.
Peneiras de bambu, usadas para separar a polpa da semente, foram
substituídas pelo liquidificador. O melado deu lugar ao açúcar cristal, e
as fornalhas de barro ganharam revestimentos feitos em cerâmica. Dentre
as doceiras que adotaram tais modificações está Aparecida Ribeiro, de
55 anos.
Ela mora com a mãe, a irmã e sobrinhas na comunidade Boa Vista, na zona
rural da cidade. Acorda às 5h e, antes das 6h, já iniciou os trabalhos.
Só termina quando o sol se põe.
A simpática cozinheira faz questão de fazer tudo sozinha: busca a
lenha, colhe as frutas – carrega pesados baldes – e faz o doce. “A
natureza que ajuda. Sempre tem galhos de árvore pelo chão e goiaba no
pé”, conta Aparecida.
Novas medidas serão adotadas para agregar valor ao produto
De vermelho intenso, com pedaços da fruta em tons amarelados, a
goiabada cascão é a principal fonte de renda de exatas 30 mulheres da
cidade de 29 mil habitantes. Neste ano, elas começam a receber um “selo
cultural”, que caracteriza o produto como bem registrado e atesta a
qualidade do doce feito em Barão de Cocais.
Além da marca registrada, cursos por meio de uma parceria entre a
prefeitura e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas
Gerais (Emater-MG) estão previstos. Novas formas de plantio e
higienização dos ambientes estão entre as possibilidades a serem
oferecidas às doceiras.
“São maneiras encontradas para agregar mais valor ao doce”, conta a
diretora do departamento de patrimônio histórico de Barão de Cocais,
Magda Vital. Segundo ela, a maioria reside em propriedades rurais e uma
das principais reivindicações é a melhoria dos acessos. “São estradas de
terra que dificultam o transporte na hora da venda. Estamos avaliando o
que pode ser feito”, diz.
Dossiê
Com 90 páginas, o dossiê utilizado no processo de patrimônio cultural
imaterial, em âmbito municipal, foi elaborado pela empresa Mindêllo, sob
responsabilidade da arquiteta Carolina Costa Moreira.
“O documento teve como principal objetivo o reconhecimento e a
valorização da tradição feita no município desde os tempos mais
remotos”, conta Carolina.
Amplas
Além das técnicas utilizadas pelas moradoras, a arquiteta analisou os
espaços utilizados. Conforme o dossiê, “tudo é doméstico”. As cozinhas
são amplas e semiabertas e o mais comum é o uso de fogões à lenha ou
fornalhas.
“As fornalhas em barro estão sendo substituídas por construções
revestidas em cerâmica, atendendo às orientações da Vigilância
Sanitária”, fez questão de reforçar a responsável pelo material.
No estado
Na busca pela proteção estadual, a ideia da prefeitura é utilizar o
documento produzido pelo escritório de arquitetura e incorporar novas
medidas de salvaguarda. Porém, a política atual adotada pelo Iepha-MG é a
de não trabalhar as manifestações de formas isoladas, mas pensar o
Estado como um todo. Assim, o tombamento mineiro da goiabada cascão
dependeria do reconhecimento, também, em outras cidades.
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