sábado, 2 de maio de 2015

Modo de fazer goiabada cascão pleiteia título de Patrimônio Imaterial de Minas


Renato Fonseca - Enviado Especial - Hoje em Dia


Wesley Rodrigues/Hoje em Dia
Cerca de 2 mil quilos de goiabada cascão são produzidos por ano pela doceira Aparecida Ribeiro
Cerca de 2 mil quilos de goiabada cascão são produzidos por ano pela doceira Aparecida Ribeiro

BARÃO DE COCAIS – A fruta é silvestre, colhida nos fundos da fazenda bem cedinho, logo aos primeiros raios de sol. Do quintal segue para a cozinha da propriedade rural. Lá, com cuidado e atenção, a polpa é retirada e generosos pedaços despejados no tacho pré-aquecido na fornalha. Para o restante do preparo é fundamental força nos braços e muita paciência. Só no fogo, são três horas para a goiabada cascão ficar pronta.
 
O jeitinho mineiro de fazer o doce, tradição secular em Barão de Cocais, na região Central, é registrado como patrimônio cultural imaterial do município, que pleiteia, agora, a mesma proteção junto ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). 
 
A intenção é ampliar as medidas de salvaguarda e garantir a preservação da iguaria, que promete movimentar a cidade neste sábado e domingo, na 4ª Festa da Quitanda e no 3º Festival da Goiabada. Mais de 2 mil visitantes são esperados no distrito de Cocais, a 99 quilômetros de BH.
 
Goiabada
O modo artesanal das doceiras de Barão de Cocais de preparar a goiabada tem como principal característica o trabalho familiar, em pequena escala. 
A maior parte das mulheres aprendeu o ofício com as mães, tias, avós e sogras. Ao longo dos anos, e principalmente após o título de patrimônio, transformações foram incorporadas.
 
Peneiras de bambu, usadas para separar a polpa da semente, foram substituídas pelo liquidificador. O melado deu lugar ao açúcar cristal, e as fornalhas de barro ganharam revestimentos feitos em cerâmica. Dentre as doceiras que adotaram tais modificações está Aparecida Ribeiro, de 55 anos.
Ela mora com a mãe, a irmã e sobrinhas na comunidade Boa Vista, na zona rural da cidade. Acorda às 5h e, antes das 6h, já iniciou os trabalhos. Só termina quando o sol se põe. 
 
A simpática cozinheira faz questão de fazer tudo sozinha: busca a lenha, colhe as frutas – carrega pesados baldes – e faz o doce. “A natureza que ajuda. Sempre tem galhos de árvore pelo chão e goiaba no pé”, conta Aparecida.
 
Novas medidas serão adotadas para agregar valor ao produto 
De vermelho intenso, com pedaços da fruta em tons amarelados, a goiabada cascão é a principal fonte de renda de exatas 30 mulheres da cidade de 29 mil habitantes. Neste ano, elas começam a receber um “selo cultural”, que caracteriza o produto como bem registrado e atesta a qualidade do doce feito em Barão de Cocais.
 
Além da marca registrada, cursos por meio de uma parceria entre a prefeitura e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) estão previstos. Novas formas de plantio e higienização dos ambientes estão entre as possibilidades a serem oferecidas às doceiras.
 
“São maneiras encontradas para agregar mais valor ao doce”, conta a diretora do departamento de patrimônio histórico de Barão de Cocais, Magda Vital. Segundo ela, a maioria reside em propriedades rurais e uma das principais reivindicações é a melhoria dos acessos. “São estradas de terra que dificultam o transporte na hora da venda. Estamos avaliando o que pode ser feito”, diz.
 
Dossiê
Com 90 páginas, o dossiê utilizado no processo de patrimônio cultural imaterial, em âmbito municipal, foi elaborado pela empresa Mindêllo, sob responsabilidade da arquiteta Carolina Costa Moreira.
 
“O documento teve como principal objetivo o reconhecimento e a valorização da tradição feita no município desde os tempos mais remotos”, conta Carolina.
 
Amplas
Além das técnicas utilizadas pelas moradoras, a arquiteta analisou os espaços utilizados. Conforme o dossiê, “tudo é doméstico”. As cozinhas são amplas e semiabertas e o mais comum é o uso de fogões à lenha ou fornalhas.
 
“As fornalhas em barro estão sendo substituídas por construções revestidas em cerâmica, atendendo às orientações da Vigilância Sanitária”, fez questão de reforçar a responsável pelo material.
 
No estado
Na busca pela proteção estadual, a ideia da prefeitura é utilizar o documento produzido pelo escritório de arquitetura e incorporar novas medidas de salvaguarda. Porém, a política atual adotada pelo Iepha-MG é a de não trabalhar as manifestações de formas isoladas, mas pensar o Estado como um todo. Assim, o tombamento mineiro da goiabada cascão dependeria do reconhecimento, também, em outras cidades.

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