As pesadas (e criticadas) penas defendidas pelo ex-presidente do STF contra os mensaleiros facilitaram o uso de delações premiadas no Brasil.
IMPLICANTE
Naquela terça-feira, 5 de março de 2013,
Joaquim Barbosa perdeu a paciência (e a elegância) de forma inesperada,
principalmente para um ministro da suprema corte. Quando um jornalista
quis saber a visão do presidente do STF sobre críticas de
algumas entidades jurídicas, foi interrompido aos berros:
“Não estou vendo nada! Me deixa em paz! Me deixa em paz! ! Vá chafurdar no lixo como você faz sempre! (…) Estou pedindo, me deixe em paz. Já disse várias vezes ao senhor! (…) Eu não tenho nada a lhe dizer. Não quero nem saber do que o senhor está tratando.”
(Joaquim Barbosa)
Na mesma data, o ministro pediu
desculpas e atribuiu o destempero a dores que sentia ao final de uma
longa sessão do CNJ. Mas havia grandes chances de a verdade residir numa
mágoa do presidente do STF para com Felipe Recondo, repórter do Estadão
alvo dos desaforos. Um ano depois, em coluna para o mesmo veículo, revelou que 3 anos antes, em 2011, já havia vazado para a imprensa um momento em que Barbosa não imaginava estar sendo observado:
Piorava a situação a passagem do tempo. Disse então o ministro: em setembro daquele ano, o crime de formação de quadrilha estaria prescrito. Afinal, transcorreram quatro anos desde o recebimento da denúncia contra o mensalão, em 2007. Barbosa levava em conta, ao dizer isso, que a pena de quadrilha não passaria de dois anos. Com a pena nesse patamar, a prescrição estaria dada. Traçou, naquele dia em seu gabinete, um cenário catastrófico.
Quando, no dia seguinte, o Estadão deu a manchete e o Brasil inteiro já debatia a preocupação, Barbosa se surpreendeu:
Novamente, Joaquim Barbosa, de pé em seu gabinete, pergunta de onde saiu aquela informação. A pergunta era surpreendente. Afinal, a informação tinha saído de sua boca.
De JB a SM
Para entender a importância daquele
março de 2011 – quando ainda só se falava em Mensalão – para a Operação
Lava Jato, é preciso voltar quase uma década no tempo. Foi em 2004 que
Sérgio Moro tornou públicas suas considerações sobre a Operação Mãos
Limpas, tida por muitos como a inspiração para o trabalho investigativo
realizado sobre o Petrolão. Em meia dúzia de laudas de fácil leitura –
ou seja, com quase nenhum “juridiquês” –, o juiz federal discorre sobre a
Itália dos anos 90. Hoje, chama a atenção como em muitos pontos lembra o
Brasil dos anos petistas.
Em dado momento, Moro reserva alguns
parágrafos para defender o uso da delação premiada como método para se
fazer justiça contra nomes tão poderosos.
“Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio.”
(Sérgio Moro)
Mas mais interessante ainda é a leitura que faz do uso deste recurso no Brasil até aquele momento:
“A reduzida incidência de delações premiadas na prática judicial brasileira talvez tenha como uma de suas causas a relativa ineficiência da Justiça criminal. Não há motivo para o investigado confessar e tentar obter algum prêmio em decorrência disso se há poucas perspectivas de que será submetido no presente ou no futuro próximo, caso não confesse, a uma ação judicial eficaz.“
(Sergio Moro – grifos nossos)
É quando voltamos ao março de 2011,
com Joaquim Barbosa descobrindo que vazou por Felipe Recondo a
preocupação de prescrição de crimes do Mensalão caso a pena por formação
de quadrilha não passasse de 2 anos. Perguntou o ministro:
“E se eu der (como pena) 2 anos e 1 semana?”
(Joaquim Barbosa)
Anos depois, JB viria a ser extremamente criticado por defender penas muito acima das esperadas para o Mensalão. Mesmo com todo o esforço de Lewandowski e Dias Toffoli
pela redução das condenações da maioria dos 25 acusados, vários
mensaleiros cumpriram algum tempo de cárcere em regime fechado. No caso
mais grave, Marcos Valério foi condenado a 40 anos, 4 meses e 6 dias.
Com algumas artimanhas das defesas sendo aceitas, a pena foi reduzida a
37 anos, 5 meses e 6 dias. Mesmo que finde no preso mais comportado da
história, o publicitário terá de passar mais de uma década atrás das
grades.
O que mudou
Entre o Brasil de 2004 e o de 2014, há
todo o desenrolar, da denúncia à condenação, do Mensalão. Dez anos após a
leitura de Sergio Moro da Mãos Limpas, o brasileiro sabe que a justiça
brasileira é capaz de condenar a 17 anos de prisão a ex-presidente do
Banco Rural, Kátia Rabello. Se antes a delação premiada, como bem
observou o juiz federal, não soava interessante aos investigados, pois
sempre apostavam na incapacidade do poder judiciário brasileiro, agora
temos Agenor Medeiros, diretor internacional da OAS, aos 66 anos de
idade, gritando na carceragem da polícia federal em Curitiba: “Se tiver de morrer aqui dentro, não morro sozinho”.
Nada disso estaria acontecendo se
Joaquim Barbosa não acrescentasse “uma semana” à pena de 2 anos por
formação de quadrilha para os mensaleiros. Se não pesasse a mão contra 25 corruptos, a despeito de qualquer crítica acadêmica que lhe dedicaram desde então.
Na já mencionada coluna do ano passado, Felipe Recondo registrou a confissão do hoje alegado “cidadão livre“:
Barbosa, por sua vez, nunca admitira o que falava em reserva. Na quarta-feira, para a crítica de muitos, falou com a sinceridade que lhe é peculiar. Sim, ele calculara as penas para evitar a prescrição. “Ora!”
(grifos nossos)
Na última sexta-feira, dois executivos da Camargo Corrêa aderiram à delação premiada na Operação Lava Jato.
Com isso, já são 15 os investigados a assinarem acordos semelhantes.
Pelas regras do benefício, terão suas penas não perdoadas, mas reduzidas
se e somente se: falarem a verdade; tenham como provar essas verdades; e
essas verdades representem fatos ainda desconhecidos dos
investigadores. Aguardemos ansiosamente o que eles têm a acrescentar.
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