O advogado Miguel Reale Júnior já ocupou
todas as posições que um jurista pode almejar. Professor titular de
Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi
membro do Conselho Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
e ministro da Justiça em 2002, durante o mandato de Fernando Henrique
Cardoso.
Quadro histórico do PSDB, próximo do ex-presidente tucano e do ex-governador de São Paulo Mário Covas (1930-2001), foi um dos principais responsáveis pelo processo de impeachment que levou à renúncia do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Filho de um dos mais influentes juristas brasileiros, Reale hoje está indignado com a situação do Brasil.
Foi aos protestos do dia 15 de março defender a renúncia de Dilma Rousseff (PT), mas é contra o impeachment, que, de acordo com ele, não possui bases jurídicas. Abaixo, o advogado fala sobre fatos marcantes da história do País nos quais esteve presente, o atual momento do Brasil e o que pode acontecer a partir dessa ebulição das ruas.
Quadro histórico do PSDB, próximo do ex-presidente tucano e do ex-governador de São Paulo Mário Covas (1930-2001), foi um dos principais responsáveis pelo processo de impeachment que levou à renúncia do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Filho de um dos mais influentes juristas brasileiros, Reale hoje está indignado com a situação do Brasil.
Foi aos protestos do dia 15 de março defender a renúncia de Dilma Rousseff (PT), mas é contra o impeachment, que, de acordo com ele, não possui bases jurídicas. Abaixo, o advogado fala sobre fatos marcantes da história do País nos quais esteve presente, o atual momento do Brasil e o que pode acontecer a partir dessa ebulição das ruas.
Istoé - O sr. é a favor do impeachment?
Miguel Reale Júnior - O impeachment não é
juridicamente viável porque os atos que poderiam justificá-lo ocorreram
no mandato anterior. A pena do impeachment é a perda do cargo. Mas
acabou o mandato e Dilma foi reeleita para outro. Não existe vaso
comunicante. Para se pedir o impeachment, a presidente precisaria ser
suspeita de algum malfeito de janeiro até agora. Eu fiz a petição de
impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor. Ali havia fatos
praticados por ele, o recebimento de vantagens ilícitas claras.
Impeachment não é golpe, porém precisa estar enquadrado tecnicamente. Eu
tenho uma responsabilidade de consciência jurídica, não posso forçar a
mão.
Istoé - O impeachment é também um processo político. É possível que o Congresso atropele os argumentos jurídicos para validá-lo?
Miguel Reale Júnior - Aí a Dilma entra com um
mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal e anula tudo. O Collor
entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para
conseguir alguns direitos de defesa que não estavam sendo considerados
no processo. E não é só a atual configuração do Supremo que invalidaria,
não. Qualquer STF consideraria ilegal. O Supremo da época do Collor
também concedeu mandado de segurança para alguns pontos que ele
solicitou. Se existe uma violação da lei ou da Constituição, o sujeito
vai ao STF e ganha.
Istoé - Isso quer dizer que a presidente não poderá ser responsabilizada caso seja ligada às denúncias do Petrolão?
Miguel Reale Júnior - O que pode haver,
eventualmente, é a apuração de crime comum. O procurador-geral da
República disse que não há elementos, mas Dilma prevaricou se sabia do
esquema quando era presidente do Conselho de Administração da Petrobras e
manteve a diretoria após assumir a presidência da República. Caso seja
enquadrada num crime comum, ela será processada perante o Supremo com
autorização da Câmara dos Deputados. Se condenada, perderia o mandato
como qualquer outro político. Resta examinar se existem elementos
mostrando que ela foi omissa ou conivente ao manter a diretoria. A
Constituição diz que o presidente não pode ser responsabilizado por atos
estranhos às suas funções, porém atos de prevaricação – como o que
ocorreu na Petrobras – não seriam estranhos à função.
Istoé -Caso Dilma fosse afastada, a situação melhoraria com o vice Michel Temer?
Miguel Reale Júnior - O Michel tem habilidade e
experiência como presidente da Câmara dos Deputados. Está à frente de um
partido forte e conta com capacidade de trânsito na oposição. Seria o
caso, para que houvesse um grande pacto nacional como ocorreu com o
Itamar Franco (vice de Collor). Naquela época, eu fui procurado por um
brigadeiro que comandava a zona aérea de São Paulo e manifestou a
preocupação das Forças Armadas quanto à governabilidade. Eles não
estavam preocupados com o impeachment do Collor, mas com o futuro. O
brigadeiro queria saber se havia a possibilidade de o PSDB apoiar o
Itamar. Ele me procurou porque eu estava à frente do impeachment e
porque eu era próximo dos então senadores Fernando Henrique e Mário
Covas. Ambos me garantiram que dariam apoio ao Itamar e eu transmiti
isso ao militar. A mesma preocupação que as Forças Armadas tiveram
naquele momento é a preocupação que todos nós deveríamos ter agora.
Istoé - Hoje o PSDB daria apoio ao Temer?
Miguel Reale Júnior - O PSDB deve considerar a
possibilidade de apoiá-lo. É um caminho que pode não interessar à
oposição que queira assumir livremente o poder daqui a quatro anos.
Independentemente disso, nós temos que pensar como chegaremos lá se não
houver um pacto, pois já estamos em frangalhos. Também tem outro
problema extremamente grave. Apesar de as passeatas do dia 15 de março
terem sido tranquilas, os ânimos estão acirrados. Amigos se separam por
conta de divergências políticas, familiares viram a cara uns para os
outros. Esse pacto também vai por um pouco de tranquilidade na
sociedade.
Istoé - O sr. foi aos protestos do dia 15 de março?
Miguel Reale Júnior - Fui, sim. Estava em
Canela, no interior do Rio Grande do Sul, e participei do ato na cidade.
Havia mais de duas mil pessoas. Eu sou favorável à renúncia de Dilma
Rousseff pela dificuldade que ela tem de governar. A governabilidade
será difícil porque no momento em que ela fala tem panelaço, quando seus
ministros falam há panelaço. Por causa disso, a presidente já tem pouco
espaço para manobra – e a operação Lava Jato vai trazer mais fatos,
ainda vai se estender para outros setores da administração.
Istoé - As manifestações
juntaram pessoas favoráveis ao impeachment, à intervenção militar e
aqueles que apenas reclamavam da corrupção. Como unir esses interesses?
Miguel Reale Júnior - Os que defendem os
quartéis são minoritários e foram rechaçados nas ruas. É um grupo muito
pequeno e inexpressivo. Já o impeachment é um processo jurídico e
técnico. Se não houver enquadramento, não tem impeachment. Movimentações
sem um norte se diluem. Por exemplo, nos protestos da Praça Tahrir, no
Egito, a população destronou o ex-ditador Hosni Mubarak, mas não soube
construir uma via. Primeiro, o fundamentalismo ganhou. Depois vieram os
militares. As redes sociais são capazes de arregimentar contra, mas a
rua não apresenta um denominador comum porque é composta de visões
díspares. Temos que criar um caminho. Entidades como a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil e a
Associação Brasileira de Imprensa devem sair dos seus nichos e
participar porque esse processo representa muito do que a sociedade
deseja. E os cabeças dos movimentos das ruas têm que trabalhar junto com
lideranças políticas para formatar uma proposta.
Istoé - É possível que políticos
participem dos protestos? De Paulinho da Força (SD-SP) a Jair Bolsonaro
(PP-RJ), quando eles falaram nos carros de som foram vaiados.
Miguel Reale Júnior - Isso é perigoso porque
significa uma descrença generalizada da classe política. Alguém precisa
exercer o poder, organizar esses anseios. Não estou falando de uma
pessoa, um salvador da pátria. Mas de um grupo político que se una à
sociedade para constituir a base de um pacto. Se isso não ocorrer,
gera-se um processo anárquico.
Istoé - A forma de governo no Brasil afasta os políticos do povo?
Miguel Reale Júnior - Se estivéssemos no
parlamentarismo não haveria toda essa comoção que estamos vendo porque o
governo teria sido destituído. O parlamentarismo impede que crises se
avolumem e prejudiquem a vida do país. É verdade que a população também
não acredita no Congresso, mas ela precisa saber que no regime
parlamentarista a Câmara pode ser dissolvida.
Istoé - E quanto à reforma política, o sistema eleitoral deve mudar?
Miguel Reale Júnior - O sistema proporcional com
lista aberta que temos hoje é horroroso. Com ele vêm gastos de campanha
elevadíssimos e ocultos. De qualquer forma, o voto distrital é melhor.
Eleição em dois turnos para deputados também pode ser um caminho,
melhora bastante. De qualquer modo, Constituinte exclusiva para analisar
o tema (como defendeu o governo após os protestos de junho de 2013) é
loucura, seria um poder paralelo ao Congresso. Também não precisa fazer
plebiscito ou referendo. É pacto, o Congresso já tem poderes para
realizar. No entanto, o Tancredo Neves dizia que era mais fácil fazer um
boi voar do que conseguir consenso em relação ao sistema eleitoral. É
muito difícil.
Istoé - A principal reclamação das ruas está relacionada à corrupção. O pacote de Dilma vai resolver o problema?
Miguel Reale Júnior - A medida repete propostas
antigas. E eles se esquecem que o crime de caixa dois já existe, artigo
350 do Código Eleitoral, com pena mínima de dois anos. Há diversos
projetos tramitando na Câmara sobre enriquecimento ilícito. Eles não
avançaram porque não foram votados pela própria base parlamentar. Vamos
deixar de enganar a população brasileira.
Istoé - O sr. foi ministro da Justiça no mandato FHC. Como avalia o desempenho de José Eduardo Cardozo no cargo?
Miguel Reale Júnior - José Eduardo Cardozo tem
assumido muito mais um papel de advogado do que de ministro da Justiça,
com a distância que deve ter um ministro da Justiça de fatos que estão
sendo manifestados. Ele sai em defesa do seu partido, em defesa da
presidente. O discurso dele é um discurso repetitivo, cheio de chavões. É
o rei do lugar comum.BLOG DO CORONEL
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