BLOG ORLANDO TAMBOSI
Newsleter do professor Rui Ramos para os leitores do jornal Observador:
A guerra colonial como “operação policial”
Segundo
Salazar, se os portugueses conseguissem limitar o esforço militar ao
mínimo necessário, para poupar recursos, poderiam encarar a guerra
colonial como uma espécie de operação policial, e fazê-la durar até os
independentistas perceberem que nada tinham a ganhar pelo recurso à
violência. Tudo dependia da capacidade do governo para habituar os
portugueses à guerra. Por isso mesmo, ela teria de ser barata.
Satisfeita esta condição, o tempo estaria a favor dos portugueses. Em
Novembro de 1967, Salazar podia permitir-se um pouco de confiança:
“penso que deve ser-se optimista quando se está seguro de fazer durar
indefinidamente a resistência”.
De
facto, cada vez menos salazaristas acreditaram neste cálculo. Em
primeiro lugar, porque o sentimento independentista no ultramar
português não era uma simples invenção comunista. Não era por acaso que a
maior parte dos chefes independentistas eram mestiços ou negros que
haviam adoptado um modo de vida europeu. Quanto mais europeizados, mais
os não-brancos descobriam que a cor da sua pele não lhes permitia
integrar verdadeiramente a classe dominante do Estado português. Como
notava Amílcar Cabral, “quem mais sofre com os tugas são essa gente da
cidade”, os africanos que já eram “pequeno burgueses”, sempre
confrontados com a superioridade branca, enquanto “o homem que vive no
mato […], por vezes morre sem ter visto um branco”.
Por
mais que a igualdade entre raças fosse política oficial, a verdade é
que a administração portuguesa determinava uma predominância dos brancos
europeus e dos seus descendentes nas sociedades do ultramar. O projecto
português de “desenvolvimento associado”, como gostava de se lhe
referir o ministro Adriano Moreira, era contraditório: quanto maior o
seu sucesso na promoção dos nativos, maior a percentagem destes que
haveria de achar insuportável o desnível de poder entre a metrópole e o
ultramar. Ora, a associação estava fundada nesse desnível de poder.
O
tempo também estava a diminuir o apelo da causa ultramarina. Ao
contrário do que esperava Salazar, o Ocidente, em vez de despertar para o
confronto final com o mundo comunista, optava por uma política de
apaziguamento. Em 1968, o governo dos EUA começou a vacilar na
determinação em defender o Vietname do Sul contra a invasão comunista, e
a sua política de intervenção militar na Indochina passou a ser
ruidosamente contestada por estudantes universitários convertidos à
esquerda revolucionária.
Em
Portugal, o mesmo tipo de estudantes impôs o anticolonialismo como
pedra de toque da oposição anti-salazarista. Havia algo de ainda mais
grave: a extrema-direita fizera do ultramarinismo a sua bandeira,
convencida de que o ultramar permitiria ao país constituir-se como um
mundo à parte da Europa ocidental. A causa da defesa do ultramar tendeu
assim a identificar-se com a recusa da “normalização” ocidentalista de
Portugal. Ora, tanto a emigração como as exportações para Europa
ocidental pareciam indicar, na década de 1960, que a chave da
prosperidade de Portugal estava na Europa, e não na África.
Finalmente,
os limites impostos à guerra, para que pudesse durar, e os
condicionamentos da contra-subversão começavam a exasperar os militares.
Para evitar a internacionalização do conflito, os portugueses tiveram
de deixar intocadas, nos países vizinhos, as bases de uma guerrilha que
os Estados comunistas continuavam a abastecer e a incitar. A técnica
seguida pelo exército português de ocupação em “quadrícula” de áreas
muito grandes fixava as unidades militares, habituava-as à rotina e
absorvia-as em tarefas civis. Impedia também a constituição de reservas,
para acorrer a súbitas concentrações de inimigos. As tropas portuguesas
tendiam assim a perder a iniciativa. Embora pequenas em relação ao
corpo expedicionário e à duração do conflito, as baixas portuguesas eram
grandes quando comparadas com a população portuguesa: três vezes
superiores, deste ponto de vista, às dos EUA no Vietname. O número de
candidatos aos cursos para oficial do quadro permanente na Academia
Militar começou a diminuir a partir de 1966.
Na
última edição do programa E o Resto é História, conversei com o João
Miguel Tavares sobre a Baía de Guantánamo e a forma como Cuba alugou
“perpetuamente” aquela zona aos EUA. Veja aqui o podcast em vídeo.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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