BLOG ORLANDO TAMBOSI
Após invadir fazendas produtivas, o MST sofre retaliações de parlamentares, de pequenos produtores rurais e se torna um grande abacaxi para o governo Lula. Duda Teixeira e Vanessa Lippelt para a Crusoé:
A
primeira onda de invasões de terra do governo Lula durou pouco mais de
uma semana. No dia 26 de fevereiro, homens e mulheres com facões, bonés e
bandeiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST,
entraram na Fazenda Limoeiro, do produtor rural Amadeu Pires Júnior, na
cidade de Jacobina, sul da Bahia. No grupo, foram identificados um
carpinteiro, um dono de farmácia, um dono de lanchonete, um dono de
padaria e um sitiante “com-terra“. No dia seguinte, outras pessoas
entraram em três plantações de eucalipto da Suzano Papel e Celulose, no
mesmo estado. Na sexta (3), a história já era outra. Em Jacobina,
agricultores organizaram um protesto e, de supetão, entraram na
propriedade para enxotar os oportunistas. Quando um oficial de Justiça
chegou à tarde com uma liminar de reintegração de posse, tudo já estava
tranquilo. As áreas da Suzano foram liberadas na terça (7).
Diferentemente das ações empreendidas há duas décadas, quando os
sem-terra ainda suscitavam alguma empatia, desta vez eles foram
escorraçados. Enquanto estavam em propriedade alheia, não houve qualquer
diálogo. O revide ainda se prolongou no Congresso, onde parlamentares
vocalizaram suas críticas a Lula e a seus ministros, que terão um
problema de difícil solução pela frente.
A
situação no Congresso é delicada porque o governo tem construído com
muita dificuldade uma base para aprovar a reforma tributária e a nova
âncora fiscal ainda neste ano. Mas, com invasões acontecendo, o risco é
enterrar toda a costura que já foi feita. Só a Frente Parlamentar da
Agropecuária tem 300 dos 513 deputados, e 44 dos 81 senadores senadores.
Com números tão altos, eles podem ser fundamentais para aprovar
qualquer coisa, de medidas provisórias a PECs. “As invasões repercutiram
muito mal. O Congresso Nacional vê a pior ala dos movimentos sociais
ligados ao petismo radicalizando o discurso e as suas ações criminosas”,
diz o deputado Kim Kataguiri, do União Brasil. Ele enviou uma terceira
solicitação pedindo a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito,
CPI, para investigar as invasões do MST. “A simples organização dos
congressistas para combater essas ações já mostram a fragilidade deste
governo. E as relações com o Lula já estão muito difíceis”, diz
Kataguiri.
Um
dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e
ex-secretário estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza da
Bahia, o deputado Valmir Assunção (PT-BA) afirma que o objetivo das
invasões era que a Suzano cumprisse um acordo de 2011, que previa
acomodação de 650 famílias em outras terras. Ele não acredita, porém,
que as recentes invasões possam estragar as relações entre Lula e o
Congresso. “Não é isso que vai diminuir a força do presidente Lula, a
relação dele com o Congresso Nacional. O que o agronegócio e os
deputados bolsonaristas querem é impor a pauta deles e ao mesmo tempo
isolar a bandeira da luta pela reforma agrária”, diz Assunção.
O
que não ajuda o presidente é que o seu discurso é exatamente o mesmo do
MST, e suas palavras em nada agradam a maior parte dos parlamentares.
Em uma entrevista dada ao Jornal Nacional durante a campanha do ano
passado, o então candidato petista disse que o grupo só invadia terras
improdutivas. “Qual foi a terra produtiva que o sem-terra invadiu?”,
perguntou Lula. Então, ele falou sobre o seu governo: “Porque o
sem-terra invadia terras improdutivas, quem fiscalizava a terra era o
Incra e quem pagava era o governo. Tinha hora que eu achava o seguinte:
acho que o sem-terra está fazendo favor para os fazendeiros, porque está
invadindo terras para o governo pagar”. Mas nenhuma das quatro áreas
ocupadas nos últimos dias podem ser consideradas como tal. A Fazenda
Limoeiro, que está sob inventário judicial para decidir o quinhão de
cada herdeiro, é área de proteção ambiental e zona turística. É usada
para campeonatos de motocross e por famílias, que foram autorizadas a
plantar hortas de subsistência. Nas áreas da Suzano, há plantação de
eucaliptos para a produção de celulose, que gera 7 mil empregos na
região.
Eles
também compartilham a ideia equivocada de que uma reforma agrária é
necessária. “Lula e o MST têm o mesmo discurso simplório de pobres
contra ricos, de luta de classes e de que existem latifúndios
improdutivos. É tudo uma mentira deslavada. Se esses terrenos
improdutivos existem, eles são marginais. O que o país tem são terras
dedicadas à pecuária, à agricultura, reservas indígenas e áreas de
conservação ambiental. Fora isso, não sobra muita coisa“, diz Denis
Lerrer Rosenfield, autor do livro Democracia Ameaçada, sobre o MST.
Após
tomar posse em 1º de janeiro, Lula desmembrou o Ministério da
Agricultura, recriando o Ministério do Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar. A pasta é comandada pelo ex-deputado petista Paulo
Teixeira. Um dia antes de os sem-terra entrarem na Fazenda Limoeiro,
Teixeira esteve com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, no
acampamento Fidel Castro, do MST, no Paraná, para acompanhar uma
colheita de soja livre de transgênicos. “Que o MST tenha em mim um
grande aliado para cumprir um papel importante de acabar com o
preconceito que existe neste país contra o MST”, disse Fávaro, na
ocasião. Os ministros prometeram incentivar o cooperativismo e fazer um
grande mutirão de produção de alimentos.
As
afirmações dos dois ministros não poderiam ser mais equivocadas. O
Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo.
Além disso, a ideia de que o MST é um conglomerado de cooperativas
também é enganosa. O movimento se presta muito mais a uma organização
política — um braço do PT — que se vale das invasões para achacar o
governo de turno. Na véspera das ações da semana passada, a principal
reclamação do MST era a demora na nomeação da presidência do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra. Essa entidade foi de
grande valia para o movimento no passado. O grupo invadia terrenos e o
Incra prontamente aparecia para declará-los como terras improdutivas. Ao
distribuir essas áreas, o MST conseguia recrutar pessoas como massa de
manobra, consolidava-se como um poderoso cabo eleitoral e acumulava
capital para negociar verbas e cargos no governo.
Mas,
ao longo dos anos, as ações do MST à margem da lei e a leniência das
autoridades fizeram com que o movimento despertasse o ódio na opinião
pública. Uma pesquisa do Ibope de 2009 mostrava que 92% dos brasileiros
consideravam as invasões ilegais; 72% consideravam caso de polícia e 61%
acreditavam que o governo deveria cumprir os mandatos de reintegração
de posse. A farra acabou nos governos de Michel Temer e de Jair
Bolsonaro. Em vez de cultivar o MST como um aliado, eles se limitaram a
distribuir lotes de terras para os interessados. Nos últimos quatro
anos, o governo de Jair Bolsonaro emitiu o dobro dos 200 mil títulos
emitidos em treze anos de PT. De posse das propriedades, os beneficiados
se afastaram da política, conseguiram acesso a crédito e foram cuidar
da própria vida, plantando e criando animais. Em paralelo, o agronegócio
no Brasil cresceu, organizou-se e tornou uma força política, que tem
como um de seus principais lemas a defesa da propriedade.
Quando
o MST retomou as invasões, encontrou um país diferente daquele do
primeiro mandato de Lula. A opinião pública é majoritariamente contra.
Pequenos e grandes agricultores olham com desconfiança o movimento, que
só consegue angariar voluntários para as invasões nas cidades, com
promessas irresponsáveis. Após participar da invasão em Jacobina, um
carpinteiro enviou um áudio para os amigos agricultores dizendo estar
arrependido. “Às vezes, tem gente que faz a cabeça da gente para a gente
entrar num movimento que não deve ser”, diz o carpinteiro na mensagem.
“Tem hora que a gente tá com a cabeça sem ser no lugar, a gente vai
fazer umas coisas que não vai nem vem. Eu falei errado, vocês me
perdoem. O que eu fiz de errado, vocês me desculpem aí. Não entro mais
em uma como essa.”
A
Justiça também tem sido rápida em conceder liminares de reintegração de
posse, e a polícia não tem demorado para agir. “A Justiça tem, no
geral, mantido uma posição equilibrada no que se refere às invasões,
como ilegais, ora dando ganho de causa aos legítimos proprietários de
terras invadidas, ora considerando legais algumas invasões, dentro do
que determina a Constituição”, diz Luiz Carlos Corrêa Carvalho,
presidente do conselho de diretoria da Associação Brasileira do
Agronegócio, Abag. Na semana passada, a Justiça autorizou a prisão
preventiva de José Rainha Júnior. Líder da Frente Nacional de Lutas e
ex-integrante do MST, Rainha foi acusado de extorquir fazendeiros após
invadir suas terras. É o método de sempre, que agora não será mais mais
perdoado.
Nesse
quadro, proprietários rurais e empresários sabem que não há por que se
curvar aos ditames do MST ou bandos semelhantes, como o de Rainha. O
presidente da Suzano, Walter Shalka, foi um que se recusou a se curvar —
e isso porque ele foi um dos maiores entusiastas a assinar a Carta em
Defesa da Democracia, contra Jair Bolsonaro, no ano passado.
“Antigamente, as empresas invadidas tentavam negociar, mas o MST levava a
melhor, porque tinha o apoio do governo. Isso não acontece mais”, diz
Rosenfield.
Com
a reação ao MST, o ministro Paulo Teixeira deu entrevistas dizendo que
os casos eram isolados e que o governo iria proteger a propriedade
privada. Na quarta, 8, ele se reuniu com membros do MST e da Suzano. Não
houve acordo. Ainda que os sem-terra consigam alguma coisa mais
adiante, como o assentamento de algumas famílias, eles estão muito longe
de ter o poder que já tiveram no passado. Qualquer invasão agora terá
resistência na sociedade, na Justiça, entre os proprietários rurais e —
mais importante — no Congresso.
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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