“Mil
Placebos”, do escritor gaúcho Matheus Borges, abre uma discussão sobre
tecnologia, violência, depressão e solitude; obra conta com orelha
assinada por Daniel Galera
“Em
seu primeiro romance publicado, Matheus Borges demonstra seus poderes
singulares de construção psicológica, evocação de detalhes e observação
atenta da nossa realidade fraturada e saturada de informação.”
Trecho da orelha de “Mil Placebos”, assinada por Daniel Galera
“‘Mil
Placebos’ nos apresenta um universo de incomunicabilidade, embora
estejamos soterrados de informação, ardendo de tanta proximidade e tanto
contato. Eyeball Kid, o narrador que nos estende a mão, é um sujeito
assustado, embora lúcido. Ele tem medo, pode se tornar violento e se
deixar arrastar pela desconfiança, pela confusão mental e pela fúria
paranoica que enxerga em quase toda parte. Ele pode não ter mais
retorno. Ele quase não tem mais cura.”
Fabrício Silveira, pós-doutor em Comunicação, professor colaborador junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS
“Minha
lembrança do verão daquele ano é sobretudo química: um de nós tomava
venlafaxina e o outro, citalopram. Éramos dois zumbis, sonolentos ou
insones, sobretudo aéreos. O ambiente não era, portanto, o mais
agradável.”
Trecho do livro “Mil Placebos”
E
se o ‘homem do subsolo’ de Fiódor Dostoiévski tivesse acesso aos fóruns
do 4chan? E se Edgar Allan Poe, na hora de conceber suas novelas
policiais, tivesse acesso aos futuros psicopatológicos que povoavam a
mente de J. G. Ballard? E se nada disso fosse necessário, pois o
capitalismo alienante e o submundo tecnológico estivessem levando, agora
mesmo, jovens a percorrerem o percurso trágico da solidão do espírito à
desagregação mental, culminando em atos de violência impensável?
São questões levantadas pelo escritor Daniel Galera na orelha do livro “Mil Placebos” (Uboro Lopes, 192 pág.), obra de estreia do gaúcho Matheus Borges (@matheusmedeborg).
Mescla de neo-noir, ficção científica e o ensaio acadêmico, a obra
traça uma investigação psíquica do capitalismo tardio ao analisar os
impactos da internet e da tecnologia nas relações afetivas. “Fala de
solidão e atomização social, de como os processos que organizam o mundo
também são capazes de afetar nossa cognição”, completa o autor, que
ressalta como a estrutura da obra foi pensada de forma a ir e voltar no
tempo, “quase que replicando a disposição que um algoritmo dá a uma
timeline de rede social”, o que justifica a hibridez de gêneros adotada
no livro.
O
escritor aponta a importância de se abordar os temas escolhidos. “Tanto
num âmbito político, pois me parece que a ascensão de uma
extrema-direita organizada é algo que passa por esses processos
descritos no livro, mas também em nível individual: não dá pra negar o
quanto nossas vidas dependem hoje dessas tecnologias, desses
dispositivos, de toda uma rede de ideias e costumes construída a partir
dessa dependência. De que maneira isso afeta nossa cognição e a maneira
como nos relacionamos com os outros?”, questiona.
Nascido
em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, em 1992, Matheus Borges é
formado no curso de realização audiovisual da Unisinos e egresso da
oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil, realizada na PUC/RS.
Suas histórias já foram publicadas em revistas literárias brasileiras e
no exterior, bem como em coletâneas e antologias. No cinema, atuou como
roteirista em “A Colmeia”, longa-metragem vencedor de cinco prêmios na
edição de 2021 do Festival de Cinema de Gramado. Atualmente, Matheus
está desenvolvendo seu projeto de mestrado e trabalhando numa compilação
de contos. Junto com “Mil Placebos”, ele trabalhou simultaneamente em outro romance, concluído logo em seguida. Ambos devem ser publicados em breve.
“Um thriller paranoico, um mistério repleto de pistas falsas, um suspense ciber-messiânico”
Um
thriller paranoico, um mistério repleto de pistas falsas, um suspense
ciber-messiânico. Assim Matheus define seu próprio livro, cuja trama
gira em torno de um personagem que adota “Eyeball Kid” como nickname em
redes sociais e fóruns online. Com vínculos sociais frágeis na “vida
real”, ele se apaixona por uma jovem nas redes que se identifica como
“Jersey Girl” e que acaba comentendo suicídio logo no começo da
história. Eyeball Kid decide então investigar as razões da morte, caindo
numa longa, intensa e violenta espiral de acontecimentos incomuns.
“‘Mil Placebos’
é o passo a passo dessa investigação, sua grande rede de consequências,
dentro e fora dos mundos virtuais”, afirma Fabrício Silveira,
pós-doutor em Comunicação, professor colaborador junto ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS. Segundo o professor, o livro
entrega ao leitor a subjetividade profunda de Eyeball Kid, um narrador
em crise, que se constitui e se revela (revela-se, acima de tudo, para
si mesmo) na medida em que se deixa tragar por uma sucessão avassaladora
de acontecimentos. “Muitas vezes são acontecimentos fortuitos, que
parecem despropositados, sem nexo; noutras, são acontecimentos viscerais
e violentos.”
“Queria com ‘Mil Placebos’
explorar os efeitos psíquicos do contato prolongado com o tráfego de
informações, as relações humanas mediadas por interfaces eletrônicas, de
que maneira isso se relaciona com a realidade em si”, diz o autor a
respeito dos temas centrais da obra. Em tempos de fóruns e chans
ganhando relevância no debate público após a ascensão da nova
extrema-direita, também viu como necessidade pensar a manipulação dos
espaços de discussão.
Matheus Borges começou a escrever “Mil Placebos” em 2013. Ele
estava interessado em criar um romance que comportasse a perspectiva do
cyberpunk dentro dos parâmetros de realismo literário. Sua intenção era
criar um thriller que abordasse o aspecto obscuro — quase mítico — da
deep web, em oposição à banalidade da internet superficial. Assim, “Mil Placebos”
acabou sendo um livro orientado por uma perspectiva de ficção
científica, influenciada por autores como J. G. Ballard, William Gibson,
Don DeLillo. “Com essa perspectiva, tentei trazer aspectos do gênero
relacionados à estranheza de um mundo que é guiado por dispositivos de
comunicação”, explica o escritor, que também cita pensadores do
capitalismo tardio como referências, em especial Mark Fisher, Franco
Berardi e McKenzie Wark. Não à toa, usa como epígrafe uma frase de
Ballard: “Tudo está se transformando em ficção científica”.
Confira trecho do livro:
“Já
fazia algum tempo que eu não visitava o consultório do psiquiatra.
Havia estado lá duas ou três vezes e a companhia daquele homem me
provocava um tédio imenso, bem como seus conselhos e conclusões,
dirigidas ao ideal platônico de paciente, nunca a mim ou a qualquer
indivíduo em particular. As consultas eram tão infrutíferas quanto as
aulas e todas compartilhavam desse mesmo aspecto terrível de
impessoalidade autoritária, exigindo que eu apresentasse bons
resultados, a fim de validar as teses aplicadas em mim, o paciente e
aluno.”
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