Cartas do imperador sobre o Senado mostram que seus conselhos deveriam ser seguidos. Felipe Moura Brasil para o Estadão:
“Um
número muito pequeno de leis será suficiente em um Estado bem ordenado,
com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as coisas forem
diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente.”
No
Brasil, as coisas são tão diferentes do “Estado bem ordenado” concebido
em 1516 pelo teólogo e filósofo holandês Erasmo de Roterdã que, em
1876, d. Pedro II escreveu à filha Isabel, sua substituta como regente
durante viagens ao exterior: “Os ministérios gostam de apresentar às
Câmaras orçamentos em que não haja déficit; para o qual calculem as
despesas muito abaixo, que depois vão suprindo por meio de créditos,
que, mesmo por causa desse cálculo errado, poucas vezes são abertos sem
infração da lei que estabelece as condições dos diversos créditos”.
Infringir
leis para estourar o orçamento conforme a conveniência política é uma
tradição brasileira em razão da má qualidade das autoridades públicas,
como novamente se viu na aprovação pelo Senado da “PEC Kamikaze”, assim
batizada por Paulo Guedes, mas articulada pelo governo Bolsonaro com votos cúmplices da falsa oposição.
“A
perda de credibilidade fiscal vai estimular inflação, juros mais
elevados e reduzir os investimentos necessários para a geração de
emprego e renda”, alertou José Serra, único senador a votar contra. Petistas e Simone Tebet,
entre outros, sabiam que o “estado de emergência” instituído até o fim
do ano para legalizar a compra turbinada de votos é eleitoral, mas
condescenderam com o presidente por pavor de se tornarem alvos das
mesmas acusações de prejudicar os pobres que o PT lançava contra quem
criticasse seu clientelismo, ou “o diabo na hora da eleição”, admitido
por Dilma Rousseff.
No
Império, senadores já representavam províncias, que virariam Estados;
mas, a partir de lista tríplice enviada por elas em caso de vacância,
eram escolhidos pelo imperador para mandato vitalício, o que durou até a
proclamação da República em 1889. D. Pedro II orientou Isabel a
“escolher o honesto, o moderado, o que tenha mais capacidade intelectual
e serviços ao Estado; porque o Senado não é por sua natureza um corpo
onde devam fazer-se sentir as influências partidárias, como na Câmara
dos Deputados. Tem de moderar a esta, e de sentenciar em casos da maior
importância”.
As
cartas do imperador à filha, assim como “A educação de um príncipe
cristão”, de Erasmo, estão no livro Conselhos aos governantes, publicado
pelo próprio Senado em 1998. Em 2022, porém, quem deveria seguir tais
conselhos é o eleitor brasileiro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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