Relato sobre um presidente fora de si, que agarrou volante de limusine e atacou agente do Serviço Secreto é desmentido - pelo Serviço Secreto. Vilma Gryzinski:
Toda CPI é política, embora siga procedimentos que lembram os da justiça regulamentar.
Portanto,
o objetivo da comissão parlamentar que investiga os acontecimentos de 6
de janeiro de 2021, quando uma multidão de trumpistas convictos entrou
no Congresso, numa grave falha de segurança e de má orientação política,
é claro: tirar de Donald Trump qualquer possibilidade de voltar a se
candidatar a presidente.
Se
possível, vários democratas e alguns dissidentes republicanos gostariam
também que ele fosse levado a ferros para a Ilha do Diabo e esquecido
lá para sempre.
Não
é tão fácil assim. Todo o arcabouço montado para incriminar Trump sofre
do mesmo problema ocorrido durante seu governo: os muitos pecados do
ex-presidente, que é um especialista em disparar tiros no próprio pé e
dar argumentos de bandeja aos inimigos, são excessivamente inflados,
quando não altamente contestáveis.
O
caso mais recente envolve Cassidy Hutchinson, a jovem, bonita e bem
maquiada – até cílios postiços usou- na CPI que foi assessora do último
chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows.
Cassidy
pintou um quadro tétrico daquele dia: Trump queria ir ao encontro da
multidão, os agentes do Serviço Secreto disseram que não havia segurança
para isso. O presidente ficou furioso, soltou um palavrão, agarrou o
volante da limusine presidencial e, impedido pelo principal agente no
comando, Bobby Engel, investiu contra ele, segurando-o na altura das
clavículas.
Detalhe
importante: Cassidy estava relatando uma versão de segunda mão, baseada
no que havia ouvido de Tony Ornato, um dos agentes em campo.
E
mais importante ainda: Ornato disse que nunca havia falado com Cassidy
Hutchinson a respeito. E o Serviço Secreto disse que os outros agentes,
inclusive Engel, estão à disposição para desmentir a versão.
E
tem mais: naquele dia, Trump estava sendo transportado numa SUV da
frota do Serviço Secreto, não na limusine presidencial, a fenomenal
máquina apelidada de The Beast, ou A Fera, blindada para resistir até as
ataques com armas químicas – além de ter maçanetas que desferem cargas
elétricas, lança-granadas, vidros de 13 centímetros de espessura e um
frigobar cheio de bolsas de sangue do tipo do presidente.
A
própria mecânica do gesto soa pouco realista. Trump, debruçado sobre o
banco do motorista, pretendia dirigir até o Congresso? Enfrentaria na
unha o motorista e mais dois agentes?
A
reação dos antitrumpistas, no Congresso e na imprensa, tem sido a de
tentar desmoralizar Tony Ornato. Ele foi até acusado de, indiretamente,
tentar tirar o vice-presidente Mike Pence do local protegido para o qual
tinha sido levado, no Congresso.
A
dinâmica em torno de Pence é importante. Se tivesse sido removido, por
motivo de segurança, a sessão que diplomou Joe Biden como presidente
eleito não teria ido adiante, alimentando mais as manobras de Trump para
tentar impugná-lo.
Ampliar
ao máximo – e até um pouco mais – as atitudes e as intenções dos
manifestantes que entraram, de início até cuidadosamente, no Capitólio, o
prédio neoclássico, com o icônico domo, tem sido frequente entre
democratas, simpatizantes e maioria da mídia.
Até
o número de pessoais que morreram é manipulado. Não foram “até dez”,
mas quatro, todos integrantes do protesto: dois de ataque cardíaco, uma
de overdose de anfetamina e outra, o caso flagrado em imagens, Ashli
Babbitt, veterana da Força Aérea baleada no ombro por Michael Byrd, da
segurança do Congresso.
Brian
Sicknick, da polícia do Congresso, morreu no dia seguinte aos eventos
de AVC. Na época, foi dado como vítima de um golpe com um extintor de
incêndio desfechado por um trumpista, mentira que se perpetuou até hoje.
Outro agente de segurança, o policial Jeffrey Smith, suicidou-se,
também no dia seguinte, e, absurdamente, é dado como vítima dos
trumpistas.
O desejo de criar mártires é evidente e distorce os fatos, graves, mas não extremos como são pintados desde a época.
Trump queria usar a multidão para forçar uma mudança no resultado da eleição presidencial? Muito provavelmente.
Conseguiria
fazê-lo? Completamente impossível. Mesmo que os manifestantes tomassem
controle do Congresso, um fato consumado dessa natureza jamais seria
aceito e acabaria reprimido com o devido rigor da lei. No máximo, teriam
provocado incidentes de violência execrável, que provocaria repúdio
maior ainda.
Mas
as distorções continuam acontecendo e, provavelmente, perpetuarão a
versão de que Trump agarrou a direção do veículo presidencial e investiu
contra um agente do Serviço Secreto.
“Talvez
partes da história de Hutchinson sejam verdadeiras (embora a parte que
capturou as atenções e os clamores de processo – a de que Trump atacou
seus agentes e agarrou o volante da Fera! – fosse altamente duvidosa),
mas precisamos de ceticismo “jornalístico”, não de torcida”, espetou um
especialista em controvérsias, Glenn Greenwald.
Ele
acrescentou que é “literalmente impossível” contar quantas vezes um
escândalo sobre Trump dominou o ciclo noticioso, só para ser
desautorizado ou desmentido depois.
Como sempre, o desmentido ganha destaque infinitamente menor.
O novo desdobramento pode incentivar Trump a antecipar o lançamento da sua campanha presidencial para 2024.
Quanto
mais Joe Biden continua na Casa Branca, menos inaceitável Trump parece.
Na média das pesquisas, Biden tem 38,4% de aprovação e 56,9% de
rejeição. Inflação, gasolina cara, o espectro da recessão e sinais de
déficit cognitivo não são problemas que vão desaparecer magicamente – ou
mesmo num período de tempo razoavelmente curto para facilitar uma
reeleição em 2024.
Hoje, Trump teria 44% dos votos, contra 39% para Biden.
Mais
de 840 pessoas foram presas pela invasão do Capitólio, enquadradas em
crimes da esfera federal. Algumas penas parecem excessivas, chegando a
cinco anos em casos comprovados de agressão a agentes da lei, mas todas
seguem, obviamente, os devidos processos.
Para a CPI, o único nome que interessa é o de Donald Trump.
“Um
homem tão perigoso como Donald Trump não pode absolutamente nunca mais
ficar em qualquer lugar próximo do Gabinete Oval”, disse Liz Cheney, a
deputada republicana que virou inimiga juramentada de Trump.
Mais explícita impossível.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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