Além de proibir desenhos corporais em jogadores de futebol, governo chinês espiona Twitter e Facebook e paga influencers estrangeiros. Vilma Gryzinski:
Ser
rico já foi glorioso, quando Deng Xiaoping liberou o espírito animal do
mercado para dar o fenomenal salto à frente da economia chinesa. Hoje,
os ricos estão de farol baixo na China.
O governo de Xi Jinping está interferindo nada delicadamente no mercado, que se nunca foi livre, já teve mais autonomia.
Para
não perder o controle e também manipular os sentimentos das camadas
menos privilegiadas – 600 milhões de pessoas que ainda não “chegaram lá”
e ainda vivem num universo de baixa renda, na faixa de 1 600 dólares
por ano -, Xi Jinping promove um reajuste em larga escala, que alcança
todas as esferas do país.
Economicamente,
o projeto tem um slogan bonito, “Prosperidade para todos”. Em nome de
controlar as desigualdades, inevitáveis quando alguns geram mais renda
do que outros, vários dos “excessos” naturais da economia de mercado
estão sendo contidos com a tradicional mão de ferro. Empresas do ramo
financeiro que iam fazer oferta pública de ações desistiram da ideia,
certamente não por iniciativa própria. As grandes construtoras sob risco
de falência por endividamento impagável estão rapidamente se adaptando
ao novo ambiente.
O
grande reajuste tem também um aspecto moralizante, de retomada dos
“valores revolucionários”. Cantores e artistas foram aconselhados a não
imitar demais o visual e o comportamento dos vizinhos mais influentes
nessa esfera, os sul-coreanos.
Nada
é tão insignificante que escape ao olhar atento do grande irmão chinês.
Jogadores da seleção nacional de futebol foram proibidos de fazer novas
tatuagens. Os que já as têm, devem removê-las. O órgão que regula os
esportes disse que está “estritamente proibido” recrutar novos jogadores
tatuados.
Proibir
futebolistas de se tatuar é quase como impedi-los de fazer gols, mas
esta é a realidade: um regime de partido único e forte pode tudo. Até
proibir qualquer tipo de manifestação que evoque o espírito natalino, em
nome da rejeição a tudo que não seja ligado à cultura tradicional
chinesa. Aconteceu no último Natal e afetou principalmente chineses que
estudam inglês em escolas de idiomas e entrem em contato com as
festividades cristãs – ou puramente consumistas, outro atrativo.
Aliás,
as aulas particulares também foram proibidas, em nome de diminuir as
desigualdades entre estudantes cujos pais podem bancar o reforço
extracurricular e os sem recursos para isso. Um setor inteiro foi
simplesmente varrido do mapa – o prejuízo foi calculado em 120 bilhões
de dólares.
O
alcance dos métodos de controle atinge níveis inacreditáveis. Os órgãos
de inteligência monitoram manifestações de chineses no exterior que
expressem a mais mínima oposição ao regime pelo Twitter ou o Facebook.
Ambos não existem na China, mas são usados por chineses em outros
países.
O
New York Times publicou uma reportagem impressionante, com relatos de
duas jovens chinesas que fizeram comentários favoráveis ao movimento
pela democracia em Hong Kong.
Uma
delas, estudante na Austrália, filmou o policial que convocou o pai
dela à delegacia e, pelo celular dele, falou que deveria encerrar sua
conta no Twitter. “Quando você voltar para a China, venha imediatamente
aqui”, ameaçou. O pai, intimidado, encerra rapidamente a ligação quando
colocado em contato com a filha.
Outro
método chinês: patrocinar influencers estrangeiros, americanos ou de
outras nacionalidades, que escrevem blogs sobre viagens e apresentam uma
visão em tudo favorável ao regime, inclusive sobre a situação dos
uigures, a minoria étnica obrigada a praticar uma forma sancionada pelo
estado da religião muçulmana.
A
pandemia, que continua provocando lockdowns localizados, e o freio no
mercado podem criar uma situação inusitada este ano: os Estados Unidos,
com 4,6% de aumento do PIB, cresceriam mais do que a China, com 4,3%,
segundo um dos prognósticos que estão sacudindo as visões habituais.
Um
crescimento mais moderado é ruim para países que exportam commodities
para a China – incluindo, claro, o Brasil, que mandava para 64% das
exportações de petróleo, mais 59% dos minério de ferro, antes do atual
crescimento menos exuberante.
“Nossa
ideia é deixar algumas pessoas e algumas regiões ficarem ricas antes,
para depois ajudarem a empurrar as regiões mais atrasadas”, disse Deng
Xaoping em 1986.
Xi
Jinping e a máquina partidária que o sustenta podem achar que está na
hora de aumentar a “ajuda”. Ou, simplesmente, que a prosperidade
individual havia chegado ao nível em que começa a colocar ideias sobre
liberdade de forma geral na cabeça das pessoas.
De
qualquer maneira, as consequências para a China e para o mundo são
gigantescas. As experiências históricas mostram que o igualitarismo
geralmente reparte a miséria e não promove prosperidade para todos, como
diz hoje o slogan mais repetido na China, mas Xi Jinping até agora tem
se mostrado um mestre na arte do pensamento estratégico. Se está
proibindo até tatuagens é porque vê nisso vantagens políticas. Os
incomodados que usem camisa de manga comprida, como alguns jogadores já
estão fazendo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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