O novo primeiro-ministro, Olaf Sholtz, faz um esforço para parecer enérgico na questão da Ucrânia, mas é pouco convincente. Vilma Gryzinski:
“As
fronteiras não podem ser mudadas pela força” e “ficar em silêncio não é
uma opção sensata”. Isso foi o máximo que Olaf Sholz, o substituto de
Angela Merkel na chefia do governo alemão, conseguiu dizer em relação
aos 130 mil homens que Vladimir Putin colocou na fronteira com a Ucrânia
para obrigar o país a não entrar para a aliança militar ocidental.
São
obviedades quase desdentadas. Alguém minimamente civilizado suportaria
fronteiras desmanchadas por intervenção militar em plena Europa? Ou não
abriria a boca diante da escandalosa exibição de força da Rússia?
Putin
está pagando para ver quem enfrenta o seu desafio. Tem bons motivos
para achar que a Alemanha vai tremer e admitir concessões mascaradas
como acordos diplomáticos.
Os
bons motivos têm um nome: Nord Stream 2. É o gasoduto que, vindo pelo
Mar Báltico, despejará diretamente na Alemanha o gás natural que o país
precisa para continuar, literalmente, aceso e aquecido.
Com
um instrumento estratégico dessas dimensões, Putin aposta que a
Alemanha vai vacilar na resistência diplomática e, caso o pior aconteça,
militar. A Alemanha já depende do gás russo para pelo menos 35% de seu
abastecimento (os números são deliberadamente opacos). Com o Nord Stream
2, a dependência vai aumentar.
A
situação não é nada fácil para a Alemanha. Por que arriscar o
desabastecimento de um produto vital por causa da Ucrânia e sua
complicada relação com a Rússia? Por que não admitir, reservadamente,
“eles que são russos que se entendam”?
O
próprio Joe Biden, ainda no fim do governo Merkel, cedeu e recuou nas
sanções que remetiam a 2014, quando a Rússia simplesmente anexou a
Crimeia, um território ucraniano que os russos nunca deixaram de desejar
que voltasse ao seio da mãe pátria.
Angela
Merkel também foi contra, discretamente e com a vantagem de sua
estatura política, o fornecimento de armas para a Ucrânia, uma atitude
agora repetida por Sholz ao proibir que aviões com material bélico
enviado pela Inglaterra sobrevoassem o território alemão.
O
Partido Social-Democrata alemão, de centro-esquerda, sempre foi muito
inclinado, digamos, à aproximação com a Rússia. O próprio Sholz chegou a
dizer que o gasoduto era apenas “um projeto econômico privado” – seria
de rir, se o ambiente não estivesse tão rarefeito pela exibição de força
da Rússia.
A
“abertura” para a Rússia é defendida abertamente dentro do partido e
ninguém pode se esquecer que o ex-primeiro-ministro Gerhard Schröder, um
social-democrata, saiu do governo e foi para o conselho de acionistas
do Nord Stream.
Excepcionalmente,
considerando-se as simpatias esquerdistas pela Rússia, o Partido Verde,
que integra a coalizão de governo da Alemanha, sempre seguiu uma linha
menos condescendente em relação ao regime de Putin, especialmente na
questão das liberdades individuais.
A
principal representante dos verdes no governo, Annalena Baerbock,
ministra das Relações Exteriores, foi a Moscou esta semana apelar pelo
bom senso. Até que conseguiu manter a compostura diante do escoladíssimo
chanceler russo, Sergey Lavrov, falando não só da questão ucraniana
como da prisão do dissidente Alexei Navalny. Mas tinha pouca munição na
bagagem.
O
gasoduto que abastece a Alemanha e o que ainda irá aumentar este
fornecimento são instrumentos usados por Putin para plantar a hesitação
no coração da aliança entre Estados Unidos e europeus.
Irá
Putin se aproveitar dessa vantagem e desfechar operações bélicas para
se apropriar da faixa fronteiriça onde há sete anos já plantou um
conflito separatista de baixa intensidade com a Ucrânia? Irá ele se
arriscar a um confronto ainda maior, avançando mais sobre território
ucraniano?
É
bastante improvável. Mas se ele achar que tem uma boa chance de fazer
isso sem incorrer em nada mais que sanções adicionais às que existem
desde a anexação da Crimeia, não é impossível.
O
governo Biden está respondendo com a tática do barulho: anunciar, com
estridência, todos os dias que uma invasão russa pode acontecer a
qualquer momento.
A
ideia é mobilizar aliados relutantes a pressionar Moscou para baixar a
bola. Em outras palavras, levar a Alemanha a se mexer. É isso que tem
acontecido nos últimos dias. As autoridades alemãs estão se mexendo, mas
ainda muito longe de colocar na mesa a possibilidade de suspender o
novo gasoduto.
A
vantagem estratégica continua do lado da Rússia. E blefar é uma
especialidade de Putin até quando tem cartas menores na mão. Imaginem
com um gasoduto inteiro.
Restaurar
a esfera de influência da Rússia, seja a da era czarista, seja a da
soviética, é seu projeto permanente e só com uma Alemanha de mãos
amarradas ele pode conseguir isso.
BLOG ORLANSO TAMBOSI
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