Ou há uma condenação clara a esses regimes, ou tudo não passará de uma maquiagem falsa do real encanto que alguns partidos e políticos brasileiros sentem por certos tiranetes. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
No
panteão dos heróis e apoiadores da ditadura cubana quase não há espaço
para os brasileiros. O único cuja imagem está exposta no Museu da
Revolução em Havana é Chico Buarque, em uma foto ao lado do cantor
cubano Pablo Milanés, sem, no entanto, ser sequer citado nominalmente na
legenda. E olha que intelectuais e políticos de esquerda brasileiros
vêm há anos se empenhando em fazer juras de amor ao regime castrista,
relativizando seus crimes e enaltecendo seus falsos feitos — assim como o
fizeram até não muito tempo atrás com outras ditaduras de esquerda da
América Latina.
Há,
obviamente, uma base ideológica e histórica no apoio que o PT e outros
partidos sempre manifestaram em relação a essas ditaduras de esquerda,
enquanto, em casa, afirmavam defender uma combinação de princípios
socialistas com valores democráticos.
É,
de certa forma, uma questão de identidade partidária que precisa ser
alimentada para manter a militância motivada enquanto os dirigentes se
empenham em articulações pragmáticas com vistas a garantir o poder, por
meio de alianças eleitorais exdrúxulas ou (uma vez empossados) de
compromissos com o centrão para assegurar a governabilidade.
Para
falar de um exemplo concreto e recente: uma parcela da militância
petista está com dificuldade de engolir as negociações da cúpula do
partido para ter o ex-tucano Geraldo Alckmin como vice na chapa com Lula
para a disputa presidencial deste ano.
Até não muito tempo atrás, os dirigentes petistas chamavam os políticos do PSDB de fascistas.
Para
engolir Alckmin e todo o resto do pacote eleitoral necessário para
vencer resistências à volta do PT ao governo federal com mais
facilidade, o que inclui acenos de moderação aos setores empresariais e
financeiros, a militância ganha algumas migalhas ideológicas, como a
promessa, depois suavizada, de reverter a reforma trabalhista e a
manutenção de uma postura ambígua em relação às ditaduras de esquerda da
região.
Assim
foi durante os dois mandatos de Lula, entre 2003 e 2010. Para aplacar a
insatisfação das bases mais radicais do partido com as alianças
políticas no Congresso e com a política econômica ortodoxa adotada no
início, Lula exacerbava, na política externa, a bajulação a ditadores ou
projetos de ditadores de esquerda. A reboque de muitas dessas alianças,
procurava-se atender aos interesses comerciais de grandes empresas
brasileiras.
Há, também, uma dificuldade atávica das lideranças petistas de admitir que são falíveis, que erraram e continuam errando.
Isso
é evidente nos comentários de Lula nos últimos meses a respeito da
situação na Nicarágua. O PT saudou a reeleição fraudulenta de Daniel
Ortega naquele país como "uma grande manifestação popular e
democrática". Lula pediu, quando questionado em entrevista sobre a
prisão de candidatos opositores ao longo da campanha nicaraguense, que
Ortega respeitasse a democracia e que não se tornasse um ditador.
Depois, porém, em outra entrevista, minimizou o autogolpe de Ortega ao
comparar sua longevidade no poder à da ex-chanceler Angela Merkel, sem
levar em conta de que em um sistema parlamentar, como é o alemão, o
chefe de governo pode ser apeado do cargo a qualquer momento pelo
Legislativo.
Guilherme
Boulos, do PSOL, partido que nasceu como dissidência do PT, foi um
pouco mais contundente na crítica a Ortega recentemente, quando este
colunista o questionou sobre o assunto durante entrevista em vídeo para a
Veja. Boulos justificou o apoio histórico do PSOL a Ortega com o
desgastado argumento da "diversidade interna" do partido e comparou a
prisão dos seus opositores à de Lula antes das eleições de 2018, mas
reconheceu que o processo de reeleição do nicaraguense não foi
democrático.
É
claro que isso não é suficiente. Boulos, assim como vem fazendo Lula,
vale-se de uma retórica equilibrista, com o intuito de distanciar-se de
condutas autoritárias sem, no entanto, escancarar o rompimento com
ditadores de esquerda.
Reportagem
recente da Folha de S.Paulo afirma que o PT pretende moderar o discurso
de apoio a essas ditaduras de esquerda, como as da Nicarágua, de Cuba e
da Venezuela, para evitar prejuízos à campanha presidencial de Lula.
Mas
essa moderação é impossível. Ou há uma condenação clara a esses
regimes, ou tudo não passará de uma maquiagem falsa do real encanto que
alguns partidos e políticos brasileiros sentem por certos tiranetes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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