O Estado da Arte publica texto e vídeo do escritor italiano Alfonso Belardinelli sobre as relações entre literatura e política:
Política.
Essa maionese nos obriga a dar um passo para trás. A dificuldade de
distinguir entre esquerda e direita nasceu com a chegada do stalinismo.
Contra a Rússia bolchevique e depois stalinista nasceram o fascismo e o
nazismo. O conflito político e ideológico tornara-se tão brutal, a ponto
de transformar todos aqueles que demonstrassem incertezas em relação às
boas intenções dos comunistas e de seus métodos em personagens
suspeitos. A linha antifascista era fortalecia somente se as culpas de
Stalin não fossem evidenciadas. A unidade da esquerda implicava que
internamente os comunistas, mesmo que teleguiados de Moscou, fossem
aceitos como amigos, e não como inimigos da liberdade e da democracia.
Entre todas as contradições e todos os nós na relação entre esquerda e
direita, a questão comunismo-stalinismo foi a mais difícil de
desembaraçar. Os anos entre deux guerres, mas mesmo mais tarde, os
decênios da guerra fria, foram aqueles nos quais a questão sobre se a
própria literatura seria ou poderia ser lida como de direita ou de
esquerda não era simplesmente um falso problema, e tanto menos uma
manifestação de vaidade mundana ou de simples neurose.
De
um lado, havia o marxismo, os partidos fortes, influentes e organizados
no movimento operário decidindo aquilo que era realmente de esquerda e
que coisa, ao contrário, estava a serviço do inimigo de classe. Essa
presença ativamente discriminante introduzia nas questões
político-literárias uma clareza desconhecida nos anos 1800. Mas, do
outro lado, marxistas e comunistas que se encontravam no poder na União
Soviética (e sucessivamente na Europa oriental) haviam instaurado um
regime autoritário, despótico, imperialista, que sem nenhuma
tendenciosidade poder-se-ia definir de direita. Mussolini e Hitler
haviam conquistado o poder guiando movimentos “revolucionários”
antiburgueses e anticomunistas, em cujas ideologias mesclavam-se o mito
da modernidade, o mito do império romano e aquele do medievo germânico.
Stalin utilizara a máquina de guerra que era o partido bolchevique para
transformar uma revolução proletária em um Estado totalitário.
Nos
decênios centrais dos anos 1900 a inteligência política de um
intelectual e de um escritor era determinada segundo a capacidade de
compreender em tempo o que era o fascismo, o stalinismo e o nazismo. Os
autores que souberam fazê-lo e que escreveram seus melhores livros para
difundir uma imagem realística e honesta da realidade política são
vistos, ainda hoje, com irritação ou desconfiança. Entre esses
escritores os mais famosos são Ignazio Silone, George Orwell, Arthur
Koestler, Simone Weil, Albert Camus. Evidentemente, ser de esquerda e,
ao mesmo tempo, crítico da política comunista, da teoria marxista e da
ideia de revolução era algo que não dava muita popularidade e deixava
quase todos um pouco insatisfeitos. Ter uma postura crítica em relação à
esquerda, sem por isso passar à direita, ser usado pela propaganda de
direita continuando a criticar a cultura burguesa e a sociedade
capitalista, não fazia parte do jogo.
Na
esquerda há mais intelectuais dispostos a aceitar o filofascismo de
Ezra Pound e o filonazismo de Martin Heidegger, a retórica comunista de
Brecht ou de Neruda, que reconhecer a importância, seja política ou
literária, de Orwell ou de Weil. Neste caso, a dificuldade de catalogar
rigidamente no âmbito da esquerda ou da direita um escritor produz uma
espécie de paralisia do juízo. Permanece o fato de que os escritores
politicamente mais geniais dos anos 1900 deixam bastante indiferentes os
acadêmicos e continuam irritando os políticos e cientistas políticos. A
triste conclusão é esta: o escritor que consegue compreender melhor e
descrever com maior precisão os fenômenos políticos que abarcaram
milhões de pessoas é considerado um traidor, um desertor, ou um intruso,
seja pelos profissionais da política ou pelos profissionais da
literatura. Quando se deseja o sucesso, ser um verdadeiro escritor
político não é conveniente, visto que acabará por não ser considerado
nem um verdadeiro escritor nem um verdadeiro político. Direita e
esquerda, neste caso, unem-se alegremente para negar a evidência desde
que os estraga-prazeres fiquem fora da festa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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