Se é compreensível celebrar durante cinco minutos a queda de Costa e seus acólitos, seria tonto ignorar que a queda é simulada, e que essa gente nunca abdicará do poder com civilidade. A crônica semanal de Alberto Gonçalves no Observador:
A
certa altura do debate do Orçamento, o ministro da Economia
impacientou-se: “Desde 2015 o salário mínimo em Portugal aumentou um
terço: 32%. A Alemanha já não aumenta o salário mínimo há anos!” A
Alemanha apenas tem salário mínimo desde 2015. De então para cá,
aumentou-o ligeiramente cinco vezes, para o montante actual de 1.585 €.
Claro que a Alemanha é a Alemanha e Portugal, coitados de nós, é
Portugal. E a Venezuela, que no mesmo período aumentou o salário mínimo
uns 800%, para os 3 euros em vigor (compram um queijo e um litro de
leite), é a Venezuela. Não é esse o ponto.
O
ponto é o seguinte: no debate de quarta-feira, o PS e o governo, que
habitualmente mentem imenso, aproveitaram para mentir com redobrado
empenho. Um espectáculo, não necessariamente digno. Pintou-se, com rolo
de trolha, o retrato de um país à beirinha do Paraíso. Para atingir o
Paraíso bastava meramente corrigir alguns pormenores herdados da Idade
das Trevas, leia-se o Tempo do Passos. Por acaso e talento, as
correcções chegariam com o novo Orçamento, que ergueria de vez a nação a
uma plenitude virtuosa. Por maldade e azar, o Orçamento acabou
rejeitado.
O
dr. Costa não queria outro desfecho. Lendas à parte, a criatura percebe
que reduziu isto a cinzas. O caldo de compadrios e ideologia amanhado
pela frente de esquerda pegou num país combalido pela bancarrota
anterior (a de Sócrates, lembram-se?) e atirou-lhe uma bigorna à cabeça.
É particularmente engraçado que PS e governo tentassem vender o
Orçamento como o “mais à esquerda de sempre”, portanto o “melhor de
sempre”. Conhecem aquela empresa de revestimentos que publicita com
orgulho o reforço da percentagem de amianto? Não conhecem porque não
existe. Inacreditavelmente, os socialistas existem.
Ao
invés do que se pensava, o “bluff” orçamental não veio de qualquer dos
partidos comunistas: veio do PS e do governo, que enquanto fingiam
vender o Orçamento rezavam para que ninguém o comprasse. Perante a
desgraceira que se instalou e a desgraceira maior que não tarda a
instalar-se, a intenção do dr. Costa consistiu em despachar a culpa para
os ingratos que, além de não agradecerem devidamente as prodigiosas
conquistas anteriores, recusaram as conquistas futuras.
Apesar
das dificuldades linguísticas, o homem tem uma ideia do buraco em que
nos enfiou, agravado pelas brincadeiras nacionais e internacionais
alusivas à Covid. Nos próximos meses, que não serão bonitos, o Orçamento
enjeitado justificará tudo. Tudo o que corra mal será responsabilidade
dos bandalhos que ignoraram o interesse nacional em prol de – nojo
profundo – estratégias partidárias. Ou seja, a única especialidade do
dr. Costa. Entretanto, o dr. Costa ou vai à maioria absoluta, para se
libertar de dependências e torrar a “bazuca” em paz, ou vai para o cargo
“estrangeiro” e de “prestígio” para que se julga habilitado. Ou não vai
a lado nenhum e depois logo se vê. Não sendo um plano brilhante,
demonstra confiança na, digamos, candura do seu eleitorado potencial. E
na fidelidade dos “media” sustentados pelo Estado e engajados pela
crendice.
A
imprensa amiga não demorou. Na quinta-feira, a manchete do JN berrava,
assustadíssima: “Chumbo do Orçamento trava ganhos de mil milhões para as
famílias” (chiça, por um triz). No “Público”, o pavor e a manchete não
cabiam na página: “Portugal forçado a ir a votos” (e assim minar a
democracia). De brinde, o interior deste diário enumera as medidas
progressistas e estupendas ameaçadas pelo “chumbo” (ó inclemência, ó
martírio). Televisão não vejo, mas as “redes sociais” fervilhavam de
alegados eleitores do BE e do PCP (principalmente do BE) que juravam
conversão ao PS. Eis uma amostra do que está para vir.
Caso
eu conseguisse ter pena de fanáticos, teria pena de ambos os partidos
comunistas, o original e a seita. Se continuassem a aliança com o PS,
continuariam a encolher por redundância. Ao desfazer a aliança,
arriscam-se a ser desfeitos pela propaganda de quem possui meios quase
ilimitados. Quando o dr. Costa “derrubou o muro”, a extrema-esquerda não
passou para o lado de cá: o PS passou para o lado de lá por
conveniência e convicção. E ocupou sem hesitações o espaço dos inimigos
da democracia. Com uma excepção: a “Europa”, que PCP e BE desprezam e de
que o PS necessita por razões, vamos lá ver, financeiras. Foi a
“Europa”, e as respectivas imposições, que serviu de pretexto à ruptura.
A ruptura, palpita-me, servirá melhor o PS do que os ex-companheiros de
estrada.
Não
precisávamos do debate do OE para descobrir a desmesurada ausência de
escrúpulos do dr. Costa e dos seus acólitos. E se é compreensível
celebrar durante cinco minutos a queda dessa gente, seria tonto ignorar
que a queda é simulada, e que essa gente, dona de um apetite voraz,
nunca abdicará do poder com civilidade. O passo atrás visa dar muitos
passos à frente, cada um a esmagar-nos no caminho. Essa gente é boçal,
falsa, inapta, prepotente, ignorante e desonesta? Sim, sim, sim, sim,
sim. E sim. Infelizmente, sobra-lhes em ganância o que lhes falta no
resto.
Também
falta ao PS concorrência. Até aqui, não falei na “direita”. Para dizer o
quê? Não imagino aquilo que, hoje, a “direita” é ou pretende ser. Há
por aí uns suspiros e uns desabafos e umas intrigas. Não há, que se
veja, o esboço de um “projecto” (desculpem). A oportunidade caiu-lhe no
colo: ou a “direita” arranja rapidamente juízo, e um milagre, ou o
abençoado fim da “geringonça” pode tornar-se o início de coisa igual ou
pior. Eu sei que pior parece impossível, mas, à semelhança de quatro
quintos das palavras, “impossível” não consta do dicionário do dr.
Costa. Antes de festejar, convém à “direita” ganhar a guerra. E antes
ainda convém entrar na guerra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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