Um homem não se conhece apenas pelos amigos, mas também pelos inimigos. Moro começou incomodando quem merece ser incomodado. Que continue assim. Alexandre Borges para a Gazeta do Povo:
Nem Che, nem Pinochet. Nem Orbán, nem Erdogan. Nem Salvini, nem Salvatti. Nem Jonas Manoel, nem Beatrix von Storch. Com a filiação de Sergio Moro ao Podemos, nasce
a terceira via para 2022. Se você tem dúvida se é competitivo ou não,
basta ver o nervosismo da militância dos seus prováveis adversários.
Especialmente daqueles que venderam a alma para algum projeto político e
temem morrer abraçados a ele.
O
campo que vai da centro-direita à centro-esquerda estava sem um
candidato aglutinador, uma liderança clara e com potencial real de
crescimento. O centro foi rejeitado em 2018, quando os candidatos
Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Marina Silva e Álvaro Dias não chegaram a
10% dos votos. Somados. Antes de Moro, 2022 caminhava para repetir o
mesmo resultado.
Ciro
Gomes tenta uma empreitada arriscada, para dizer o mínimo. Ao postular o
espaço da esquerda, rivalizando com Lula, repete o caminho do fundador
de seu partido, Leonel Brizola. O gaúcho apelidou Lula de sapo barbudo e
fez de tudo para superar o adversário, mas sem sucesso. Na eleição de
1989, quase empatou com ele, mas em 1994 amargou um quarto lugar com
pouco mais de 3% dos votos. Em 1998, foi candidato a vice-presidente na
chapa de Lula e perdeu no primeiro turno para FHC. Em 2000, tentou ser
prefeito do Rio e obteve menos de 10% dos votos. Morreu em 2004 no
ostracismo e sem fazer sombra a Lula. Difícil imaginar Ciro superando o
antecessor na mesma tarefa.
O
PSDB vive uma disputa fratricida entre João Dória, um postulante real, e
Eduardo Leite que desde o início levanta a suspeita de que só está na
disputa para esvaziar o paulista, uma tarefa dada por Aécio Neves para
que o tucanato não lance candidato próprio e use todo fundão eleitoral
para suas disputas regionais. Mesmo que a candidatura de Leite seja para
valer, tanto ele como Dória têm mostrado uma dificuldade quase
intransponível de emplacar seus nomes nacionalmente, Como se isso não
bastasse, o partido rachou e a base se esfacelou na votação da PEC do
Calote, mais uma articulação da lavra do neto de Tancredo Neves.
O
União Brasil, futuro partido que unirá PSL e DEM, não se mostrou até
agora engajado em qualquer candidatura, mas o presidente do PSL Luciano
Bivar já fez acenos públicos a Sérgio Moro. O União Brasil pode dar a
estrutura, a força, o dinheiro, o tempo de TV e da capilaridade para a
candidatura do ex-juiz que o Podemos nem pode sonhar. Moro é popular,
mas para uma campanha presidencial no Brasil é preciso mais que isso.
O
Partido Novo está testando o nome do cientista político Luiz Felipe
d'Avila que nem pontua nas pesquisas. O Novo vive uma crise de
identidade pela identificação da sua bancada federal e do governador
mineiro Romeu Zema com o bolsonarismo, a despeito do programa liberal do
partido e da posição claramente oposicionista do seu fundador João
Amoêdo. O partido laranja começa a piscar o olho para Moro, um nome que
poderia reaproximar bolsonaristas e oposicionistas do partido. O tempo
dirá.
MDB
fala em Simone Tebet e Cidadania em Alessandro Vieira, dois senadores
que ganharam projeção nacional durante a CPI da Covid. A candidatura
Moro tende a canibalizar a base de ambos, como o próprio Vieira já
sugeriu ao dizer que deixaria a disputa para apoiar o ex-juiz. Tebet
poderia ser um bom nome para vice, mas se Moro fechar com o União Brasil
dificilmente conseguirá escolher o companheiro de chapa.
Com
tantos nomes colocados, o que torna Sérgio Moro diferente dos outros?
Sua viabilidade eleitoral. Ele é o primeiro candidato que encarna, sem
sombra de dúvidas, os ideiais dos brasileiros que foram às ruas em
2015/16 pelo impeachment de Dilma Rousseff. A queda da petista levou à
presidência Jair Bolsonaro, um ator irrelevante naquele processo e que
venceu mais pela inação dos adversários e por externalidades como a
prisão de Lula e o atentado que sofreu do que por simbolizar o
lavajatismo ou udenismo.
É
cedo para colocar Moro no segundo turno, mas sua entrada na disputa
traz uma lufada de ar fresco para um filme cujo roteiro caminhava para
um final pouco feliz para quem defende a democracia liberal, o estado de
direito, o império das leis e a economia de livre mercado. Como todo
político, deve ser recebido com o ceticismo e a prudência recomendáveis,
mas sem afetação, esnobismo ou falsas equivalências.
As
reações ao nome do ex-juiz são previsíveis e até desejáveis para que
ele mostre como se porta ao ser testado. Ele ainda carregará o estigma
de ter ficado muito tempo no governo Bolsonaro, mas é uma mancha pequena
no currículo quando comparado aos adversários.
A
turma da tornozeleira eletrônica já está se articulando para não ver o
renascimento da Lava Jato ou qualquer que seja o nome que uma nova força
tarefa eficiente contra a corrupção e os crimes que tiram o sono de
Brasília. Um homem não se conhece apenas pelos amigos, mas também pelos
inimigos. Moro começou incomodando quem merece ser incomodado. Que
continue assim.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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