O poder corrompe, o poder absoluto
corrompe absolutamente e a rapaziada do PS já nasce corrompida. A
crônica de Alberto Gonçalves, publicada aos sábados pelo Observador:
Não gosto de usar citações. Em primeiro lugar, porque atrapalham a
cadência do texto e, de brinde, conferem-lhe um mofo escusado. Em
segundo lugar, porque pretendem demonstrar uma erudição que, dado que
qualquer pateta consegue catar frases na internet, não deslumbra
ninguém. Em terceiro lugar, porque é uma maneira fácil de uma pessoa
trocar a origem da frase, espalhar-se ao comprido e exibir uma
ignorância de alto calibre. Há dias, uma “jornalista” que escreve num
jornal extinto atribuiu o “Proletários de todo o mundo, uni-vos…” a
Lenine. Além de o texto não ser bem assim (“todos os países” em vez de
“todo o mundo”), o autor também não é bem esse. A pobre “jornalista”,
que conviveu anos com um famoso trafulha sem suspeitar das trafulhices,
tem lata, mas não tem jeito nem sorte.
Serve o maçador intróito para justificar o recurso a uma citação na
presente crónica e, enfim, ajudá-la a arrancar: “O poder corrompe, o
poder absoluto corrompe absolutamente”. A autoria é evidentemente de
Engels – estou a brincar: é de Lord Acton. E a citação está incompleta: o
poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente e a rapaziada
do PS já nasce corrompida. Na opinião de Lord Acton, e na prática dos
partidos comuns, a corrupção é uma decorrência. No Partido Socialista
parece ser critério de admissão, ou pelo menos de progressão na
carreira.
Na semana anterior, a trapalhada com uns protectores “antifumo” que
afinal não protegiam vivalma levou à descoberta de que a empresa que os
vendeu à Protecção Civil pelo dobro ou o triplo do preço de mercado
pertence ao marido de uma autarca do PS. Isto inaugurou a caça aos
contratos entre familiares de socialistas e o Estado. E o que se apanhou
constituiu um choque, um choque, claro, para quem andava cego ou vive
na Tasmânia. O filho de um secretário de Estado possui 20% de uma firma
de serração de madeira que serra para câmaras municipais e tal. Duas
empresas do pai do ministro das Infraestruturas (aquele Pedro que manda
nas “bases” e, consta, no dr. Costa) mantêm uma relação próspera com os
dinheiros públicos, não apurei em que ramo. O marido da ministra da
Justiça, que é advogado, emite pareceres, decerto vitais para a pátria,
para diversos ministérios. E empresas do pai, da mãe, do irmão e da
própria ministra da Cultura (juro, ou juram os noticiários) celebraram
contratos com o Estado. Etc. Acho que a busca seria abreviada se se
invertesse o objectivo e se procurasse apenas os socialistas que não
embarcam nas negociatas. Ficaríamos com uma lista pequenina, idêntica à
das “Lendas Desportivas Judaicas” do filme “Aeroplano” (nova citação,
mas despretensiosa e logo aceitável). Ou até sem lista nenhuma.
Há uma lei, dita das incompatibilidades, que prevê a demissão dos
governantes envolvidos em semelhantes arranjos. Há ou havia. Ou é
indiferente. Na quarta-feira, o ministro Santos Silva considerou
“absurdo” cair numa “interpretação literal da lei da 95” No mesmo dia,
publicou-se no Diário da República uma versão revista da lei, talhada à
medida para ilibar essa gente. Ou, nas palavras do dr. Santos Silva, uma
versão “clarificada”, com a aprovação de nove décimos dos deputados.
Não deveria ser necessário notar que o assunto não é tanto do domínio
da lei quanto do da decência. E se mudar a lei é simples, abandonar a
indecência congénita é tarefa de elevada complexidade. Investem-se
fortunas para tentar encontrar a cura das mais terríveis doenças. Não se
arrisca um cêntimo para extirpar do sangue socialista a vocação para a
trapaça, das maiores pestes do nosso tempo. Provavelmente, tem-se a
noção de que seria dinheiro deitado fora. E então, de trapaça em
trapaça, chegamos a isto. Uma coisa é o regabofe, já instituído há
muito. Outra é o regabofe descarado, hoje em plena vigência. O dr. Costa
e o bando do dr. Costa fazem literalmente o que querem.
A rédea solta é impossível em democracia? Não é impossível no tipo de
regime que, como a noite, tem descido sobre nós. Com a bênção de um
presidente da República que não merece comentários, temos no centro,
obviamente não ideológico, o PS. À extrema-esquerda, obviamente não
demasiado distinta do PS, três “forças” dispostas a servir onde não lhes
dói para lucrar onde lhes convém. À direita do PS, obviamente o vazio. O
CDS, sob controlo remoto do dr. Portas, empenha-se em “passar
mensagens” que nem os seus dirigentes imaginam quais sejam.
Recentemente, a hipotética chefe daquilo apresentou-se com quatro
penteados para que o público do Instagram escolhesse um.
No mundo dos adultos, restaria o PSD, se o PSD não tivesse sido
tomado pela vontade de transformar um partido de governo numa agremiação
dócil que sonha, provavelmente em vão, com as migalhas do banquete
socialista. O drama das “listas”, afinal aprovadas quase por
unanimidade, foi um mero episódio da novela que terminará com a redução
do partido à irrelevância total. O que convenceria um cidadão que
abomina justamente a desvergonha coordenada pelo dr. Costa a votar num
aspirante a simulacro deste? Falo do dr. Rio. Poucos falam do dr. Rio. O
dr. Rio não conta e, não tarda, o PSD segue-lhe os passos. É com o PSD.
E, se não se importam, é com o país. Ao desistir de ser oposição, o PSD
abdicou de ser alternativa. E um regime sem alternativa não é
democrático: é uma coisinha má, cuja entrega nas mãos vorazes e balofas
do PS torna ainda pior.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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