MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Embaixador na França ratifica desconfiança sobre a atuação de ONGs na Amazônia


“Dá para desconfiar que tem uma agenda escondida “, diz Serra
Lucas Neves
Folha
O embaixador do Brasil na França, Luís Fernando Serra, diz que a escalada retórica entre Brasil e França por causa da gestão dos incêndios na Amazônia saiu do controle nos últimos dias, mas que agora é hora de “virar a página”. “Houve excessos de parte a parte”, afirmou, referindo-se aos insultos de ministros brasileiros e do próprio Jair Bolsonaro ao presidente francês, Emmanuel Macron, e à mulher dele, Brigitte Macron — que Serra descreveu na TV francesa, nesta segunda-feira, dia 26, como “muito bonita, inteligente, elegante e charmosa”.
O embaixador endossa as críticas de Bolsonaro à suposta ingerência internacional na região da floresta — o presidente afirmou na última semana que seu par francês manifestava “mentalidade colonialista” ao retratar a situação atual como “crise internacional. Também ratificou o discurso de desconfiança do presidente brasileiro sobre as ONGs que atuam na região amazônica.
AGENDA ESCONDIDA – “Dá para desconfiar que tem uma agenda escondida quando você vê 300 ONGs na Amazônia e zero no Nordeste. Por que 55 milhões de nordestinos não mereceram uma ONG, e os 25 milhões que moram na Amazônia mereceram 300?”, questiona. “Dito isso, é preciso esquecer a rixa com a França”, defende Serra, em nome do “patrimônio [comum] extraordinário”, de uma relação bilateral de 500 anos que “é a mais completa que o Brasil pode ter com um país europeu”, porque inclui o aspecto fronteiriço (na Guiana Francesa).
Como o senhor recebeu a afirmação de Macron nesta segunda-feira de que o Brasil merecia um presidente à altura do cargo? 
Achei forte. Temos que virar a página e continuar na construção da parceria estratégica [“selo” que a relação bilateral franco-brasileira ganhou em 2008], aprofundar todos os lados da cooperação. Ela é a mais completa que o Brasil pode ter com um país europeu, porque, além de cobrir todos os aspectos do relacionamento bilateral, inclui o fronteiriço [na Guiana, território francês] e o elo sentimental. Não tem nenhum país na Europa, nem mesmo Portugal, que tenha todos esses lados. Temos muita coisa a construir. O brasileiro e o francês se estimam, se conhecem, se adoram —isso é motivação para que os governos façam cada vez mais. É um patrimônio extraordinário, de 500 anos. São vínculos antigos: veja a missão [artística] francesa [no século 19], a missão que chegou nos anos 1930 para fundar a USP.
Após os insultos contra o presidente francês e sua mulher por parte de membros do governo brasileiro, a escalada retórica de Macron não era esperada?
Acho que, no fim do dia [segunda-feira, 26], a tensão baixou. As bases [da relação entre os países] são muito sólidas: a admiração, a estima, o conhecimento recíproco entre brasileiros e franceses.
Mas o senhor reconheceu na TV francesa que o nível da conversa degenerou…
Houve excessos verbais, de parte a parte. Quem começou foram os franceses, porque chamaram o nosso presidente de mentiroso [na sexta-feira, 23].
Na verdade, o presidente Bolsonaro reagiu na véspera [quinta, 22] a uma publicação na internet de Macron, falando que o francês tinha “mentalidade colonialista”… 
Mas é evidente. Isso me lembra a Conferência de Berlim de 1884, em que europeus decidiram o futuro da África sem chamar os africanos. Dentro das fronteiras, aquilo que é nosso pedaço da Amazônia é brasileiro, ponto final. Vai propor a internacionalização da Sibéria para o Putin… ora! Isso é um papo que não pode prosperar, entende?
Ajuda internacional significaria necessariamente ingerência? 
Não. O que significa ingerência é decidir o futuro da Amazônia sem o Brasil. Todos os mecanismos de ajuda à Amazônia [até hoje] foram negociados com o Brasil presente à mesa. Essa história de o G7 se reunir sem o Brasil e decidir que o Brasil é uma questão internacional não é aceitável, de forma alguma. A parte da Amazônia que está dentro das nossas fronteiras é brasileira, não tem relativização de soberania nenhuma [possível]. Estamos de brincadeira? Estão pensando que o Brasil é o quê?
E tem mais. Não vi um jornalista falar, em 2005, dos incêndios que houve na Amazônia. Em 2015, alguém disse que os incêndios na Califórnia eram culpa do [ex-presidente dos EUA Barack] Obama? Porra. Todo mundo se virou contra o Bolsonaro, sempre arrumando pretexto porque ele falou das ONGs [apontou-as como responsáveis pelo aumento das queimadas]. Dá para desconfiar que tem uma agenda escondida quando você vê 300 ONGs na Amazônia e zero no Nordeste. Uma de duas: ou há agenda escondida ou preconceito com os nordestinos. Escolham uma. Por que 55 milhões de nordestinos não mereceram uma ONG, e os 25 milhões que moram na Amazônia mereceram 300? Ora, todo mundo sabe que tem índio que fala holandês, norueguês e sueco, mas não fala português. Tá me entendendo?
O senhor teve algum contato nos últimos dias com o Ministério das Relações Exteriores da França?
Nenhum. O embaixador da França no Brasil me ligou para pedir um telefone, só.
Como fica a imagem internacional de comedimento e pacifismo da diplomacia brasileira diante do fogo cruzado dos últimos dias?
O Brasil continua sendo incontornável. Isso não muda. Temos a quinta população do mundo [na verdade, a sexta] e a quinta superfície. Somos número 1 em diversos produtos agrícolas. Na base de todo esse problema está o fato de que nossa agricultura é muito competitiva. Isso incomoda.
O que será da relação franco-brasileira daqui para frente? 
A Agência Francesa de Desenvolvimento já financiou 1,9 bilhão de euros no Brasil. Somos o quinto país mais importante para eles, que privilegiam projetos com energia limpa, renovável. O plano para a construção de quatro submarinos convencionais e de um nuclear é coisa de 9 bilhões de euros. Eles serão entregues até 2029. Foi construída uma base naval em Itaguaí (RJ) que é uma coisa de louco. Os franceses não nos achavam capazes disso. Hoje, estão chamando soldadores nossos. E tem Carrefour, Casino, L’Oréal, Peugeot, Renault, mil empresas francesas no Brasil, com 500 mil empregos diretos. Queremos atrair mais. O Brasil, com a casa arrumada, vai decolar.
O senhor acha que Macron tem mesmo a intenção de não ratificar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, ou suas declarações recentes são um blefe para pressionar o Brasil? 
A oposição à ratificação do acordo na França é muito dura, ainda que isso não se repita na Alemanha ou na Espanha, por exemplo. Não arrisco um palpite.
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MAIS DE 200 MIL ONGS ATUAM NO NORDESTE
O Mapa das OSCs (Organizações da Sociedade Civil) —termo usado como sinônimo para ONGs—, realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostra que há 205.182 organizações que atuam no Nordeste brasileiro, nas mais diferentes áreas.
Nos estados que compreendem a floresta amazônica no Brasil (AC, AP, AM, MA, MT, PA, RO e RR) há 97.892 entidades do tipo. O mapa é alimentado por fontes públicas e privadas, atualizadas constantemente, e por informações enviadas diretamente pelas OSCs e por entes federados.

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