Por Mário Vitor Rodrigues, colunista da Gazeta do Povo:
Já não
há pudores em passar a responsabilidade para o outro. Até constranger e
ridicularizar é permitido, caso o interlocutor assuma uma posição alheia
àquela regida pela dicotomia Haddad versus Bolsonaro. Em linhas gerais,
ou você vota em um partido que assaltou os cofres públicos durante mais
de uma década — e que não apenas roubou, mas instituiu o maior esquema
de corrupção já visto na República —, ou você é conivente com uma
espécie de versão tropical do nazismo.
E pouco
importa se o PT deu inúmeras demonstrações de autoritarismo quando
aparelhou o Estado e o próprio Judiciário para favorecer seu projeto de
poder, ao endossar publicamente a ditadura venezuelana, ou aventando a
matança de pessoas de modo a impedir que o seu líder fosse preso. Pouco
importa, inclusive, se constantemente acena com uma obscura regulação da
mídia.
A
ojeriza e até mesmo o temor de LGBTs, negros e das minorias como um todo
em relação à candidatura de Jair Bolsonaro extrapola o justificável.
Contudo, o comportamento e a retórica que tenho percebido nas últimas
semanas por parte de pessoas inequivocamente comprometidas com os
valores democráticos têm sido de fazer inveja ao mais radical fã do
capitão.
O nível
de intransigência é idêntico. E também a estratégia, embora as
guirlandas que ornamentam os espantalhos sejam diferentes. Se existe o
fantasma do bolivarianismo e a certeza absoluta de que nos tornaremos
uma Venezuela, por um lado, também é assegurada a transformação desse
país em uma imensa Charlottesville, para não falar nos taques do
Exército que tomarão nossas ruas e avenidas, por outro. No fundo, o que
interessa mesmo é colonizar pelo medo, impondo ao ouvinte a
responsabilidade de evitar o pior e, assim, amealhar um voto para o seu
candidato.
Em
associação a essa postura, há ainda um xodó pela tese de que é possível
estabelecer pontes sólidas de interação com o petismo.
Figuras
como Samuel Pessôa e Marcos Lisboa, apenas para citar os dois exemplos
mais recentes, jamais se furtaram a dialogar com gente do quilate de um
Fernando Haddad ou de uma Laura Carvalho. Algo em tese louvável, na
medida em que são sabidamente de outra cepa e portanto podem contribuir
para o debate. Acontece que qualquer conversa, para ser proveitosa, pede
um ingrediente incompatível com a esquerda e o petismo em particular:
honestidade intelectual.
Assim
como agora, quando se provoca o boato de que Lisboa poderia assumir o
Ministério da Fazenda em futuro governo Haddad, não deveria existir
outra postura que não fosse a de negar taxativamente a hipótese. A
questão é simples, não resta dúvida de que o Brasil ganharia com o seu
brilhantismo a serviço da pasta econômica em um primeiro momento, mas
também não cabe perder tempo imaginando o estrago que seria para o país o
ressurgimento de uma nova era petista no poder.
Em
resumo, é graças à nossa postura condescendente, por vezes até ingênua,
que o Partido dos Trabalhadores sempre leva vantagem. E isso não tem
nada a ver com a postura de Jair Bolsonaro, embora certamente esteja
ligado à sua própria existência.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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