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por J.R. Guzzo
Uma das vantagens mais interessantes da hipocrisia, talvez o vício preferido das campanhas eleitorais, é seu baixo custo.
A rigor, fazendo a conta na ponta do lápis, a hipocrisia não custa
nada, quando se considera que o hipócrita jamais pretende cumprir suas
promessas, nem se comportar com as virtudes que atribui, a si mesmo,
diante do público – encerrada a disputa, volta ser o que sempre foi e dá
por zeradas todas as dívidas que parecia estar contraindo quando tinha
de pedir voto aos eleitores.
Disputas pela Presidência da República, é claro, não são as
oportunidades mais adequadas para o público assistir exibições de boa
conduta.
Mesmo assim, a campanha de 2014 parece superar tudo o que já foi
feito neste país, até agora, em matéria de embuste. Só deverá ser
superada, talvez, pela próxima corrida, em 2018.
Não há inocentes nessa rixa de terceira classe, mesquinha, desonesta e
sem o menos vestígio de vida inteligente; desde o primeiro dia de
campanha, ainda não apareceu nada que pudesse ser descrito pela palavra
“idéia”.
Mas o pior desempenho, de longe, fica com a concorrente mais forte
até agora, Dilma Rousseff, porque ela não é apenas a candidata oficial –
antes disso, é a presidente da República, e esse cargo lhe impõe
obrigações formais perante todos os brasileiros, sem exceções.
A primeira delas é o respeito. Dilma, pela posição que ocupa e pelo
juramento que fez ao assumir a Presidência, não tem o direito de tratar
os eleitores como uma manada de ignorantes que não dispõem da capacidade
de pensar com um mínimo de independência – e por isso não precisam
ouvir argumentos, explicações e raciocínios que façam nexo ou respeitem
fatos.
Vale tudo aí.
Se Dilma não for eleita, garante sua campanha, a comida vai sumir das
mesas. As crianças passarão a receber livros em branco. Os banqueiros
vão ordenar demissões em massa, fechar escolas e acabar com o Bolsa
Família.
Por ser negra, magrinha e de origem paupérrima - ou por lembrar que
passou fome na infância - a concorrente Marina Silva é acusada de ser
uma "coitadinha" – e uma pobre-diaba como ela, segundo Dilma, não tem
condições de ser presidente.
Só Lula, o seu principal patrocinador, tem o direito de se apresentar como operário e receber diploma de herói.
Marina seria igual a Fernando Collor – embora a candidata oficial não
explique por que isso é tão ruim assim, já que o mesmo Collor é hoje um
dos seus aliados mais valiosos.
Só Deus sabe o que ainda vai dizer até o dia da eleição.
O resultado prático de toda essa insensatez é que a campanha
eleitoral da suprema magistrada do Brasil, que deveria ser a mais sóbria
e mais fiel à verdade dos fatos, acabou sendo a mais hipócrita de
todas.
"Um cavalheiro - segundo Oscar Wilde - nunca deve trapacear quando está com boas cartas na mão".
Dilma tem um belo jogo nas mãos – até agora sempre esteve à frente
nas pesquisas - tem seis vezes mais tempo que Marina na televisão e usa
todos os dias a máquina do governo para caçar votos.
Mas sua campanha tornou-se um monumento à trapaça.
Não existe nenhuma disputa de ´classes` na eleição, como pretende a
propaganda oficial, em que a opção seria escolher o lado dos pobres (o
dela), contra o lado dos ricos (o dos outros).
A única coisa realmente em jogo é o interesse material: mais de 20
mil cargos ocupados pelo PT e amigos, a manutenção de um convívio de
doze anos com as grandes empreiteiras e as oportunidades de negócios
junto a empreendedores como o homem atômico da Petrobras (e atual
presidiário Paulo Roberto Costa), o doleiro Youssef e por aí vai.
Não existe a mais remota sinceridade nos alertas de que um Banco
Central independente vai tirar as grandes decisões financeiras ´das mãos
dos brasileiros` - como se no governo Dilma eles decidissem alguma
coisa a respeito.
Não existe motivo para acreditar nas promessas de ´limpeza` na
Petrobras, quando Lula diz que a empresa é vítima de ´ataques` de
tubarões imaginários – e não dos tubarões de carne e osso mantidos lá
dentro durante todo o seu governo e o de Dilma.
A complicação que o Brasil vive hoje vai além da falta de decência,
de lucidez e de bons modos da campanha. Campanhas eleitorais são
transitórias, mas os seres humanos que participam delas são permanentes.
É uma pena, mas Dilma não vai mudar de caráter quando a campanha
acabar – continuará sendo exatamente a mesma. Se ganhar, não vai fazer
um ato de contrição e se arrepender da hipocrisia de uma disputa
deformada pela falsificação da realidade.
Se ganhar, não se transformará numa pessoa que nunca foi.
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