Frederido Haikal /Hoje em Dia
Comerciantes trocam comida por segurança
O comerciante Duílio Vital se recusa a oferecer qualquer benefício a policial ou bandido


Qual é o preço que deve-se pagar para ter segurança? É o que se perguntam donos e funcionários de padarias, lanchonetes e restaurantes em Belo Horizonte. O Hoje em Dia constatou que fornecer cafezinho, lanche e até almoço a policiais militares pode fazer a diferença.
 
Em um restaurante no bairro São Gabriel, na região Nordeste, o dono admite oferecer refrigerantes, salgados e até almoço aos militares.
 
“Quero tê-los como amigos. Mesmo se eles quiserem pagar, eu não cobro, pois sei que eles irão garantir a minha segurança”, justificou o comerciante.
 
No bairro Santa Inês, Leste da capital, mesmo oferecendo “mimos” outro estabelecimento não conseguiu conter os assaltos. “Sempre liberava o lanche deles. No início era de dois a quatro homens. Com o passar do tempo, parecia que vinha um batalhão comer de graça, e mesmo assim eu sofria com os bandidos. Cortei todos os benefícios e não quero eles por perto”, revoltou-se o proprietário.
 
No bairro Serra, Centro-Sul de BH, o gerente de uma lanchonete e padaria adotou a permuta por lanches para conter os roubos. “É mais barato fornecer alimentos que sofrer com os roubos. Somente os militares que conhecemos ganham. De vez em quando, viaturas de outros batalhões param na porta e pedem o cafezinho, mas nesses casos não libero”, disse.
 
Na mesma região, dessa vez na avenida Bandeirantes, no bairro Mangabeiras, uma viatura estacionada sobre a calçada, na porta de uma padaria, garantia a segurança do local. Havia três militares dentro do comércio que, ao perceberem a aproximação da reportagem, saíram sem comer nada e foram até o carro do Hoje em Dia exigir explicações. O gerente do local disse que nunca foi assaltado e que a polícia sempre está por perto quando precisa. No entanto, se limitou a dizer que libera apenas o banheiro para os militares usarem. l
 
Padaria sofre 53 assaltos em quatro anos e meio
 
Quem se recusa a fazer permuta por segurança ou não tem nada a oferecer, como o proprietário de uma padaria, no bairro Serrano, na região da Pampulha, acaba refém da própria sorte. O empresário já foi vítima de 53 assaltos em quatro anos e meio de funcionamento – média superior a um roubo por mês.
 
Duílio César Vital, de 38 anos, é ex-metalúrgico e desde que abriu a padaria, na rua Herbert de Souza, vive cansado e revoltado. Ele afirma que nunca pagou ou ofereceu algo para policiais ou “suspeitos” em troca de tranquilidade.
 
“O policiamento é terrível, e fim de semana, por exemplo, não tem policial nenhum na rua e nenhuma companhia atende”, disse.
 
Só na semana passada, a padaria foi roubada três vezes.
 
Surpresa
 
O comandante do 34º Batalhão, tenente-coronel Wanderley Wilson Amaro, responsável pela região, se mostrou surpreso ao ser informado sobre o grande número de assaltos apenas nessa padaria. Mas informou que não há como reforçar o policiamento na região ou em qualquer outro bairro de BH. Segundo o oficial, o efetivo é um só e o que ele e outros comandantes podem fazer é “trabalhar os alvos”.
 
“O que posso fazer é orientar os policiais a identificar os autores dos crimes e suas rotinas, assim como prendê-los. Porém, o problema é sistêmico, um verdadeiro círculo vicioso, já que, os mesmos alvos são presos mais de uma vez. Parece que a polícia não está trabalhando, mas está, e muito. Eu creio é que a lei tinha que ser aplicada”, disse.