MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O ópio das elites


Sempre estranhei essa compulsiva necessidade de ópio não só por parte de um grande número de sujeitos, porém até de iluminados espécimes das nossas elites. Esse ópio estende seu domínio do último bestseller de autoajuda à mais desenfreada plataforma de ataque a antigas peias morais. Por trás das esfuziantes campanhas de descriminalização e liberação da maconha, nunca deixaram de faltar figuras de antenas continuamente ligadas a diversas projeções utópicas, e que tentam nos induzir a transpor o limiar de uma rotina, repetitiva na superfície, embora rica de experiência. Afinal é pela rotina insistente do hábito, e pela disciplina que o acompanha, que se faz e se dá a conhecer não só cada indivíduo de per si, mas o artista, o sacerdote e o sábio. Pois o que não se estrutura num hábito, e em sua correspondente disciplina, não pode se converter em excelência.
Se tantos mantêm o eu em constante metamorfose, é porque não conseguiram se habituar àquilo para o qual foram, de algum modo, preparados. Fantasmas de si próprios, se não conseguem viver nem conviver sem certo tipo de ópio, como iriam conhecer, portanto, o devir, no plano temporal, e o dever ser no plano ético? Ao assumirem todos os disfarces, os produtores e os consumidores de toda espécie nunca tiveram, por isso, a oportunidade de saber o que realmente são no rol final das coisas, quer do ponto de vista da própria identidade, quer do ponto de vista de sua diferença no âmbito maior da vida social.

"A religião é o ópio do povo", pregava Karl Marx. Nem ele imaginava, à época, que por um curioso fatalismo histórico, o marxismo se transformaria no ópio das elites. Depois da lição de Gilberto Freyre, em ‘Vida, forma e cor’, de que o marxismo, nas ciências sociais, desempenhou um papel similar ao do cubismo na pintura, não veio a ser por acaso que essa última e patética constatação partisse justamente de um consumado artista e um estudioso incansável das artes plásticas: Plínio Palhano. Sempre achei que nossas elites dirigentes, à semelhança das nossas elites intelectuais, professassem, a despeito de sua enorme ignorância, uma fé marxista embutida em receita capitalista ou liberal, sem que, por isso, pretendessem largar a boa vida de um patriciado sem nenhuma responsabilidade ou a mínima preocupação social. Atualmente já não consigo achar mais nada, antes, pelo contrário, passei a compreender absolutamente tudo.


Publicado no Jornal do Commércio, de Pernambuco.

Ângelo Monteiro é filósofo e poeta.

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