Em 2013, órgão federal conseguiu 73 mandados de reintegração de posse.
Operação Tellus constatou que áreas da reforma agrária eram negociadas.
Área de lazer construída em um dos lotes irregulares (Foto: Antônio Augusto Barros/Arquivo Pessoal)
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tenta
retomar a posse de cerca de 600 lotes irregulares em Mato Grosso do Sul.
A maioria pertence ao município de Itaquiraí, a 402 quilômetros de
Campo Grande, onde, segundo o procurador regional da autarquia, Antônio
Augusto Barros, já foram recuperadas 70 áreas, todas já com novos donos.
"Nós reparamos a injustiça social", avalia.Em Mato Grosso do Sul, de acordo com o Incra, há 178 assentamentos, com 30 mil famílias. A lista única de pessoas em busca de um pedaço de chão conta com 20 mil nomes.
As irregularidades foram constatadas pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF) durante investigações realizadas em 2008. Pelas escutas telefônicas, relatos de testemunhas e visitas aos terrenos, foram verificados indícios de irregularidades na distribuição de lotes de quatro assentamentos, em Itaquiraí, com esquema ilícito de documentação e envolvimento de 12 servidores do Incra, segundo Barros.
De acordo com o MPF, não houve sorteio entre os inscritos para conseguir um terreno, que seria o procedimento legal, e sim contemplação dirigida. "Ocorreu favorecimento a movimentos sociais, vereadores, vendedores de terrenos", afirma o procurador regional do Incra.
Uma das vistorias do MPF verificou que, dos 1.236 lotes dos quatro assentamentos resultados da desapropriação dos 16.926 hectares da fazenda Santo Antônio, 497 eram ocupados por pessoas que não constavam na relação do Incra.
Diante disso, o MPF acionou a Justiça Federal, que mandou o Incra tomar posse dos lotes. O instituto então impetrou ação de reintegração, sendo que 70 foram concedidas e as pessoas que estavam nestes locais foram despejadas entre agosto e novembro de 2013.
Conforme Barros, um sorteio entre pessoas que estavam em acampamentos há oito anos foi realizado e muitas passaram a ter um pedaço de terra.
Também foram verificadas irregularidades, fora da operação Tellus, em outros assentamentos, que resultaram em cerca de 100 pedidos à Justiça de reintegração de posse. Muitos destes estão no assentamento Itamarati, em Ponta Porã, onde apenas três solicitações foram concedidas.
Em novembro de 2013, a Justiça Federal, em Naviraí, entendeu que mais 42 lotes em Itaquiraí pertencem ao Incra, que ainda não impetrou pedido de reintegração de posse. De acordo com Barros, a intenção é pedir o despejo das pessoas que moram nestes locais e também solicitar indenização.
"O Incra deve entrar com ações indenizatórias por danos morais contra, principalmente, comerciantes e vereadores. Ainda estamos fazendo levantamento", afirma o procurador regional da autarquia no estado.
Prejuízo financeiro
Conforme informado pelo MPF, o prejuízo com as irregularidades na reforma agrária somam, em cinco anos, quase R$ 200 milhões. De 2005 a 2010, foram liberados R$ 198.129.576,87 em créditos para assentados em Mato Grosso do Sul. O dinheiro obtido, conforme o MPF, ilicitamente era “lavado” na compra de imóveis, carros e outros bens.
"Duzentos milhões de reais é o que estima o MPF. O Incra ainda não tem estimativa. O que vai estimar é o resultado do processo administrativo que os funcionários respondem", fala Barros.
Barbáries
Entre as situações de irregularidades verificadas nos quatro assentamentos de Itaquiraí (Santo Antônio, Lua Branca, Tamakawi e Santa Rosa), destacam-se três. Uma delas, segundo o Incra e o MPF, uma das áreas foi concedida e registrada em nome de uma criança de 10 anos, filha de donos de duas empresas no estado. O casal foi denunciado pelos crimes de estelionato e falsidade ideológica.
Outra situação é apontada pelo Incra. De acordo com Barros, um homem apontado como o cabeça do esquema de compra e regularização de documentos tinha em uma das áreas dele, aponta como irregular, um espaço de lazer. "Aos fundos da piscina tem área com churrasqueira de primeiro mundo. Ele não morava lá", diz o procurador do Incra.
O homem, segundo Barros, foi despejado do local e chegou a ficar pelo menos 30 dias preso. Ele teria mais lotes irregulares na região.
O procurador do Incra aponta ainda um lote onde era cultivada soja "de uma ponta a outra" do terreno. No local, além do grão, havia um barraco onde vivia um senhor, lembra Barros, que contou que a área pertencia ao patrão dele, que era sojicultor no Paraguai. "E ele [o senhor] dormia em um barraco de lona, com cama de papelão, em condições totalmente insalubres".
Os 12 servidores do Incra continuam trabalhando, mas respondendo a processo disciplinar. A apuração da conduta deles é feita em Brasília, informou Barros. Ele lembra que o Incra reforçou a fiscalização nos assentamentos contra situações irregulares e pode preparar mais ações de reintegração de posse.
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