Em dezembro passado, a seis meses da abertura
da Copa do Mundo 2014, mais de 75% das obras de mobilidade previstas para apoiar
a realização do campeonato mundial estavam atrasadas ou tinham a entrega
descartada para a época da competição, sem contar que muitas delas ficaram bem
mais caras do que as previsões do governo. Os projetos de mobilidade, com a
maior parte dos financiamentos bancados pelos governos federal, estaduais e
municipais e anunciados como grande marco do campeonato, essenciais para que os
torcedores cheguem e saiam com facilidade aos estádios, somavam 74 ações.
Dezoito não serão mais entregues e outras 38 tiveram os prazos prorrogados para
o próximo mês de maio. Serão entregues em condições?
Apesar de muitas dessas obras contarem com
rascunhos antigos de projetos que nunca puderam sair das gavetas pela nossa
crônica falta de dinheiro para investir em infraestrutura e ausência de vontade
política, quem entende do negócio considerava que em sete anos – o tempo ente a
escolha do País para a Copa e a realização do evento – não seria possível sair
da intenção para a inauguração com o simples voluntarismo governamental. As
justificativas – ou as desculpas – foram as de sempre, como se todas elas não
devessem estar contidas, avaliadas e contempladas nos prazos de projetos
competentes: imprevistos, burocracia, chuvas, problemas judiciais em
desapropriações e na obtenção de licenças de todas as naturezas, entre outros. E
entre esses, com certeza, falta de detalhados projetos executivos e de gerência
pública adequada. O Ministério do Esporte, em dezembro, contabilizava apenas 45
projetos de mobilidade em andamento ou concluídos.
É bom explicar com honestidade aos cidadãos
que a frota de carros cresceu 105% entre 2002 e 2012. E que não haverá solução
de transporte com o número de veículos que circulam em São Paulo, no Rio ou em
Recife, por exemplo. E que o passageiro de um carro em movimento ocupa 40 vezes
mais espaço do que outro que anda de ônibus. Eu chamo isso de má distribuição de
qualidade de vida.
Mais da metade das casas brasileiras têm pelo
menos um veículo particular para os deslocamentos de seus moradores, um
indicativo de que a população – incluída a de menor renda – está matando o
desejo de ter um automóvel e que os domicílios de baixa renda terão cada vez
mais acesso ao carro próprio, considerando as fortes políticas governamentais de
incentivo à compra.
O movimento das ruas, no ano passado,
produziu uma resposta de afogadilho inédita que ainda não se sabe se vai vingar.
Nunca se anunciou tanto investimento em transporte público. O governo federal,
por exemplo, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) partiu de
um gasto efetivo de R$ 2 bilhões, em 2012, para uma previsão de investimentos de
R$ 50 bilhões nos próximos quatro anos. E o governo paulista deve investir R$ 45
bilhões no período 2012-2015.
É pouco. O BRT (Bus Rapid Transit),
sistema de ônibus segregado em corredores onde os passageiros pagam a passagem
na plataforma, é moda entre técnicos e políticos porque apresenta uma boa
relação custo-benefício: transporta 30 mil passageiros por hora em cada sentido
ao custo de construção e implantação de R$ 40 milhões por quilômetro linear. O
metrô paulistano transporta mais do que o dobro de passageiros (80 mil), mas o
quilômetro custa em média R$ 400 milhões, por causa dos preços dos terrenos para
desapropriações em São Paulo. Os especialistas calculam que a capital paulista
precisaria expandir de cerca de 70 km para 200 km sua malha metroviária. Uma
fatura de R$ 50 bilhões.
O dinheiro é um problema, em termos,
especialmente porque País não se propõe a programar, por exemplo, Parcerias
Público Privadas (PPPs) e fica a “inventar” sistemas de concessões esquisitos. A
solução da mobilidade trafega por muitos caminhos. Os atuais projetos de
trânsito têm uma concepção antiga e ultrapassada, ignoram o funcionamento e o
desenvolvimento das cidades que não foram e nem são planejadas, o que resulta em
obras que esgotam rapidamente seus objetivos.
Parte significativa dos hardwares
urbanos existentes não é operada de forma inteligente. E os softwares
já tão conhecidos nos celulares dos brasileiros, estão longe das administrações
da vida urbana: informatização e automatização do trânsito para aproveitar os
sistemas viários ociosos; redesenho pelo poder público dos trajetos de ônibus
para facilitar fluxos diretos entre distritos e regiões populosas das cidades e
das regiões metropolitanas; uso de GPS nos coletivos.
Observações prosaicas, que nem sempre ocorrem
aos homens públicos, podem sim colaborar muito com a mobilidade dos cidadãos. Em
São Paulo, um terço do total diário de percursos é feito a pé pelas pessoas.
Melhorar calçadas com acessibilidade, semáforos, faixas e cruzamentos melhora
bem a vida dos cidadãos. Como ajuda criar políticas alternativas ao uso do
automóvel, combinadas com os apelos à vida saudável, para os ciclistas. Bem
construídas e seguras, as ciclovias, seus pontos de partida e chegada podem
substituir uma parte dos percursos a pé e alimentar a rede convencional de
transportes, como acontece em muitas regiões industriais do
País.
Por muito tempo, as cidades brasileiras não
foram operadas nem reguladas pelos seus cidadãos e pelo poder público. De forma
que um novo planejamento precisará surgir do novo exercício democrático para
ordenar não só a mobilidade – consequência do direito constitucional de ir e vir
– mas principalmente a ocupação geoeconômica e social caótica das cidades que
promove periferias desprovidas de serviços públicos e empregos e privilegia o
desperdício de energia, espaço e ocupação em núcleos isolados, nas alas
“nobres”.
29/01/2014
Arnaldo Jardim é deputado federal pelo
PPS-SPPresidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional.
arnaldojardim@arnaldojardim.com.br
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Twitter: @arnaldojardim
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