Cacique encurrala GENERAL e o deixa sem argumentos.
O general Eduardo Villas Bôas,
comandante militar da Amazônia, tentou argumentar com o cacique que
comanda as absurdas cobranças ilegais de pedágio na transamazônica, mas
não obteve muito sucesso, não por falta de habilidade ou conhecimento de
causa, mas porque representava alí um estado totalmente desorganizado. O
cacique citou até os franelinhas dos centros das cidades, que extorquem
a sociedade sem ser incomodados.
A cobrança de pedágio é ilegal, mas
até que ponto? Foi o próprio governo que deu aos índios o status de
"nação", ou seja, são um povo separado dentro do Brasil, e como tal,
exigem direitos e tratamento diferenciado. O que começa errado
dificilmente se conserta facilmente. A verdade é que a política
indigenista brasileira dos últimos anos é um caos. Em meados do ano
passado o próprio general Villas Boas declarou à Folha de São Paulo que
as decisões em relação aos habitantes da Amazõnia são equivocadas,
feitas com uma "base de conhecimento desfocada, com soluções não
apropriadas." Veja o debate do General com o Cacique.
HUMAITÁ (AM) - O debate
do general Eduardo Villas Bôas, comandante militar da Amazônia, com o
cacique Aurélio Tenharim surpreendeu a comitiva de militares e
autoridades que viajou até a reserva indígena Tenharim Marmelos,
segunda-feira (7), em Humaitá, sul do Amazonas. O grupo, integrado
também pelo general Ubiratan Poty, da 17ª Brigada de Porto Velho, viajou
para negociar com os índios a pacificação - e pedir o fim do pedágio na
Transamazônica, uma das causas do conflito, além do desaparecimento de
três homens na rodovia, ainda não esclarecido. O embate mostrou, de um
lado, a capacidade de negociador do general e, do outro, a riqueza de
argumentos do índio na defesa de uma atividade, até agora, ilegal.
GENERAL - Conheço a
história do povo tenharim. O povo de vocês vive numa área em que
sofreram com a construção de rodovias, muito rica em minério, tem
garimpo de ouro, diamante e cassiterita, e não há duvida do sofrimento
que esse processo trouxe para o povo tenharim. Mas a questão é a
seguinte: a cobrança do pedágio não vai resgatar isso, nem trazer de
volta as crianças que morreram.
Acho que o pedágio, se continuar como
está, vai sim continuar colocando em risco as crianças e o seu povo.
Não digo que não merecem a compensação, mas isso terá de ser feito de
acordo com a lei e o pedágio não está de acordo com a lei. É uma rodovia
federal e é garantia das pessoas que trafegam nela.
Acho que para a gente pacificar aqui é
importante parar com a cobrança. Sabemos que o pedágio é importante
para vocês, talvez a única renda que vocês têm aqui. Talvez pudéssemos
desenvolver atividades produtivas para vocês terem outra fonte de renda.
Vamos discutir para que a gente possa levar essas idéias para Brasília.
Acho importante que vocês tenham essa motivação: vamos parar com o
pedágio e levantar outros projetos para dar sustentação às comunidades.
Só assim a gente vai pacificar. Sei que é uma questão sensível, mas peço
que pensem nisso.
CACIQUE - A gente
não fala de pedágio, fala de cobrança de compensação. Ela nunca vai
pagar a dívida. Nós éramos 30 mil tenharins, hoje somos 800. Os jeahoy
foram quase extintos. Claro que o povo tenharim tem deixado aberto para
negociar com os governantes. Esperamos quatro anos para sentar na mesa
de negociação, mas nenhum órgão se manifestou. Ninguém levou a sério
essa cobrança de compensação da parte do governo.
A Transamazônica tem história de
massacre, de estupro de nossas índias, escravos, violação de direitos.
Quem vai pagar isso? Essa compensação não está só na fala, está no
Ministério Público Federal que tem esse relatório detalhadamente. As
autoridades aqui presentes precisam ver o relatório levantado por
antropólogos e biólogos.
O governo não teve diálogo com a
gente e agora vem com a Polícia Federal, então abrimos o diálogo, mas o
pedágio continua. O povo tenharim e o povo jiahoy já decretaram que o
pedágio vai continuar independente de algumas pessoas estarem
descontentes. O senhor veio aqui, general, é nós abrimos o diálogo, mas
enquanto isso vai ter cobrança.
Já temos até a data, dia 10 começa a
reconstrução da casinha e dia 1º de fevereiro vai continuar o pedágio.
Quero dizer para as crianças que é seu meio de trazer economia. Acho que
a população dos municípios e as autoridades não conseguiram analisar na
parte da economia. Se o pedágio está irregular, a lei também não proíbe
a cobrança. Faço comparação: uma vez eu cheguei numa festa de rodeio e
tinha um monte de lanterninha, encosta aqui, aí falei, quanto paga: dez
reais. Tem legalidade? Não tem. Uma vez cortou a estrada e passamos por
uma fazenda, e sabe quanto o fazendeiro cobrou? 50 reais. É legal?
A cobrança de compensação ajudou
crescer Santo Antonio de Matupi, pois comprávamos roupas. O índio pega o
ônibus, paga a passagem, são 25 reais. Tem a Luz para Todos, a gente
achava que ia pagar só uma taxa, mas é conforme o uso. Tem família que
paga 150. A saúde, o governo oferece atenção básica, mas exame de média e
alta complexidade o governo não oferece e o índio paga. A cobrança de
compensação vai lá e cobre.
Será que o governo brasileiro, a
presidenta Dilma, daria essas condições? Não dá. Quero dizer para todas
as autoridades que fizemos proposta, mas o governo não respondeu. Nós
acreditamos em todas as autoridades aqui presentes, mas cadê o executivo
aqui? Está o general, está o procurador, mas cadê representante do
governo aqui? Não tem.
Nós agradecemos pela sensibilidade
que vocês tiveram de chegar até aqui, mas convida o governo para vir
resolver as questões práticas aqui. Leva essa mensagem pra Dilma,
estamos prontos para dialogar. Mandamos os documentos, mas cadê a
resposta?
Realmente, o usuário da
Transamazônica é inocente, a gente está ciente disso, mas infelizmente,
temos que chamar a atenção do governo. Nós somos pacíficos, queremos
diálogo com o governo. General, essas crianças que estão aí, como é que
vamos garantir a vida delas? O governo não oferece nenhum projeto. O
indigenismo está defasado, combatido pelo ruralista. Espero que Deus
mande a cada um de vocês inteligência e sabedoria para dialogar com a
gente. Somos um povo indígena que ninguém olha por mós. A sociedade está
olhando para nós como bandidos e assassinos. Vocês sentiram algum clima
ruim aqui no nosso meio? É isso que nos somos. Obrigado, que Deus
abençoe.
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