Com
obras publicadas por editoras independentes consolidadas, como Pautá e
Urutau, autor procura registrar, em seus poemas, os principais dilemas
existenciais e angústias de sua geração
“[...]
Lucas Grosso escreve a pluralidade de línguas esfumaçadas pelos
desmentidos da realidade. Acima de tudo, poemas sobre o descompasso do
que se ouve e do que se diz, sobre o descompasso de uns em relação aos
outros, sobre a surdez e a tagarelice da palavra de ordem: sobreviver,
como se pode.”
Morgana Rech e Tânia Ardito, editoras da Revista Subjetiva, no posfácio de “Hinário Ateu”, de Lucas Grosso
Amadurecimento,
crise de valores tradicionais, faltas de perspectivas profissionais,
pessoais ou de vida, e hedonismo imediatista permeiam as obras do
escritor paulista Lucas Grosso, (@lucasgrossooficial) autor dos livros de poesia “Nada” (Patuá, 2019), “Hinário Ateu” (Urutau, 2020) e coautor de “Terra dos papagaios” (Penalux, 2021).
Nascido
em São Paulo, em 1990, Lucas se formou em Letras pela PUC-SP e tem
Mestrado em Literatura pela mesma instituição. Concursado pela
Prefeitura de São Paulo, já participou de revistas como Mallarmargens,
Zunái, Subversa, 7faces e Toró. Atualmente, colabora para os portais
Fazia Poesia e Revista Úrsula. Consolidando sua carreira literária, o
poeta prepara a publicação de três novos livros, em negociação com
editoras.
Ao
adotar uma escrita poética mais narrativa e descritiva, Lucas explora
temas vivenciados por ele e pelos que o rodeiam. “Não sei como posso
mudar minha realidade. Escrever é uma forma de fugir e suportar essa
angústia”, ressalta o autor, que procura criar imagens em sua literatura
que sejam acessíveis à interpretação do público-leitor.
O
escritor define seu estilo como uma análise existencial, mas também
alcunha os termos “poesia oral”, “poesia geracional”, “poesia
meditativa”, “poesia pop”, “poesia política” e “poesia pós-moderna”.
“Quero tocar pessoas, motivá-las, fazer terem emoções com minha escrita,
porque o que escrevo vem daí: é meu sangue na forma das letras”, frisa.
“Quero registrar o que significou estar vivo no século 21.”
De Tropicália à poesia marginal, Lucas Grosso atravessa as angústias millennials
Lucas
Grosso começou escrevendo crônicas, com forte inspiração no estilo do
Luís Fernando Veríssimo. Na pré-adolescência, partiu para autores mais
sombrios do romantismo, como Álvares de Azevedo e Edgar Allan Poe, que
influenciaram diretamente na sua poesia na época, além de bandas de rock
e punk rock. No fim do colegial, entrou em contato com autores da
Geração Mimeógrafo, também conhecida como Poesia Marginal, marcante nos
anos 70. Do movimento, despontaram poetas como Ana Cristina César,
Cacaso e Chacal. Com a leitura deles, a escrita de Lucas começou, então,
a amadurecer.
Desde
pequeno, o poeta paulista foi influenciado fortemente pela MPB, Bossa
Nova e Tropicália, com destaque para nomes como Caetano Veloso, Gilberto
Gil e Chico Buarque. “Na faculdade, aprofundei minhas leituras em Milan
Kundera, descobri o Samuel Beckett, mais autores da geração de 70, as
tradições do século 20, e os contemporâneos (principalmente o Milton
Hatoum, que estudei na graduação), além de ouvir mais músicos
brasileiros (como Taiguara, Belchior, Milton, que não eram tão populares
em casa), e descobrir melhor a Tropicália. Isso fez toda a diferença”,
sublinha.
A
leitura da poesia e um curso ministrado pela Angélica Freitas foi um
divisor de águas: mudou quase em totalidade a sua forma de escrever,
expandindo seus horizontes em termos de autores, produções literárias,
técnicas e formas de pensar o texto poético. “Comecei a ler uma poesia
mais oralizada, debochada, com palavras cotidianas e um discurso
político contemporâneo mais contundente”, conta, ressaltando o papel
imprescindível da editora Patuá para que ele pudesse conhecer mais
poetas contemporâneos, como Lubi Prates e Ana Martins Marques.
Outros
nomes que marcaram sua trajetória literária até então foram Fernando
Namora, Honoré de Balzac, José J. Veiga, Rubem Fonseca, Aline Rocha,
Julia Dantas, Roberto Freire, Anton Tchekhov, Walter Benjamin, Mário de
Andrade, Liev Tolstói, Johann Wolfgang von Goethe e Marc Augé. Também
cita como influências os filmes do diretor Woody Allen e o longa “O
fabuloso destino de Amélie Poulain”, dirigido por Jean-Pierre Jeunet.
“Quero registrar o que significou estar vivo no século 21”
Escrito ao longo de 10 anos, “Nada” (Editora Patuá, 2019)
foi desenvolvido a partir da falta de significado e perspectiva que o
autor passava em sua vida. “Foi motivado pela falta de condições de me
manter fiel aos meus princípios e crenças, e encontrar modos de
trabalhar e vivenciar eles”, conta. A obra questiona o sentido da
existência e da formação cultural dentro das esferas de identidade, o
sentido de fazer poesia, estudar e trabalhar, além de colocar a
paternidade, a vida conjugal, os espaços urbanos e referências
massificadas da cultura pop também em interrogação.
Já “Hinário Ateu” (Editora Urutau, 2020),
escrito quase ao mesmo tempo que “Nada”, ganha tom mais político,
“embora haja muito mais críticas à governos de direita, do que de
esquerda”, como pondera Lucas. A obra foca em questionamentos políticos e
sociais como um todo – autoritarismo, burocracia, politicagem,
nacionalismo, religião, e afins. “Nenhum político ou governo foi citado
nominalmente, mas aqui tem bastante referências ao Brasil a partir de
2016”, contextualiza.
Já as obras “La verdure ou A narrativa das palavras desgastadas”,
“Vasos de Pimenta e Infância” e “A loja de lámen” estão em processo de
avaliação de editoras para publicação. A primeira é uma plaquete com 11
poemas que vão narrando a vida sentimental do eu-lírico, da infância até
a vida adulta. “A escrita se deu como uma tentativa de reinterpretar em
poesia o que eu entendia como amor, antes de conhecer minha ex, nossa
relação, nosso ‘casamento’, os problemas que levaram ao nosso divórcio e
a vida após a separação, mas ainda ligados por uma filha”, expõe Lucas.
Outra obra concluída em 2022, assim como a plaquete citada anteriormente, foi “Vasos de Pimenta e Infância”,
um livro que surge como uma tentativa de compreensão sobre os valores e
identidade geracionais a partir de rememorações da infância, e
interpretação dos ícones e valores da vida adulta, na busca de uma
identidade autônoma e uma nova forma de vivenciar a vida. Esses valores
aparecem principalmente, por meio de metáforas e ícones da cultura pop.
Em continuidade a esses questionamentos, surge a última obra de Lucas,
finalizada em 2022, intitulada “A loja de lámen” — a diferença, segundo o autor, é que nela se chega até um “nó cego”.
“É
um livro que busca mostrar, nas suas poesias, que nós estamos
completamente perdidos, sem saber o que fazer da vida. Questiona tudo
que nossos pais colocam como valor (família nuclear, trabalhos chatos,
relações interpessoais, “alta” e “baixa” cultura, práticas cotidianas
etc.), com poemas que indicam que, na verdade, não fazemos a menor ideia
de o que fazer e nem como”, explica o poeta. Divórcio, paternidade,
medo do futuro dos meses iniciais da Covid-19, a angústia com (a falta
de) políticas públicas, questionamentos sobre amor e monogamia e falta
de independência financeira plena são assuntos que transcorrem nos
poemas, que se mostram mais longos nessa obra.
“Também
tem bastante cinismo com discursos de políticos em geral, com a cultura
coach, gourmetização do mundo. O símbolo máximo disso tudo é a loja de
lámen como um símbolo da falta de perspectiva em relação ao futuro, isso
é, estar lá significa comer sem se importar muito com o qualquer coisa,
além do presente imediato”, justifica o escritor.
Confira trecho do “Poema dos potes de vidro” (A Loja de Lamen)
IV
no vidro de corações
de alcachofra
em formato de
ânfora romana
guardo bem mais do que
lápis e canetas
enquanto pego
a bic preta
olho o vidro e lembro
daquela pizza
de alcachofras
que comemos
na noite em que
te pedi em casamento
lembra
quando tudo acabou
sobrou o vidro
e tudo o que eu consegui
guardar nele
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