BLOG ORLANDO TAMBOSI
Os vídeos revelados pelo provocador Tucker Carlson mostram o lado pacífico dos manifestantes, o que não elimina os atos destrutivos. Vilma Gryzinski:
Nada como ter dois lados antagônicos, competindo para comprovar a validade das respectivas narrativas.
A
versão predominante até agora dos acontecimentos do dia 6 de janeiro de
2021 era uma montagem focada na agressividade dos manifestantes
trumpistas que invadiram o Capitólio para protestar contra o que
acreditavam arrebatadamente ser uma eleição roubada de Joe Biden.
Mesmo
quem acompanhou tudo ao vivo, e viu uma multidão majoritariamente
pacífica, passou a não duvidar dos abusos que as cenas editadas
mostravam, não só em termos de atos agressivos como do simbolismo de uma
invasão à sede do Poder Legislativo
Exceto pelo fato de que, no mundo atual, não podemos acreditar nem em nossos olhos.
O
outro lado da realidade tem sido mostrado pelo apresentador Tucker
Carlson, um mestre da manipulação que precisa ser assistido com um
bocado de informação para não cair em seus truques.
Com
a eleição que deu a maioria aos republicanos na Câmara dos
Representantes, Carlson conseguiu 44 mil horas de gravações de câmeras
de segurança do Congresso, fornecidas pelo novo presidente do
legislativo, Kevin McCarthy.
É
claro que Carlson editou as cenas mostradas em seu programa na Fox para
enfatizar o oposto da versão de violência descontrolada. Mas é
impossível negar o que está exposto.
As
cenas mais definitivas envolvem o personagem mais notório do 6 de
janeiro, Jacob Chansley, conhecido como o Xamã do QAnon, um site
ultraconspiracionista. Em vez do selvagem sem camisa em temperatura
abaixo de zero e um arranjo de cabeça composto por chapéu de pele com
chifres, vemos a exótica criatura caminhar calmamente por vários
ambientes da sede do legislativo, sempre acompanhado por dois
integrantes da polícia do Capitólio que chegam a procurar portas para
abrir e lhe dar passagem. Os agentes não o interceptam em momento algum.
Num determinado momento, há nove membros da polícia do legislativo em
volta dele, sem nenhum incidente de parte a parte.
Outras
cenas mostram Brian Sicknick, um policial legislativo que morreu ao
chegar em casa depois da invasão do Capitólio, devido a um AVC provocado
por causas naturais. A versão de que ele havia sofrido traumatismo
craniano ao ser atingido por um extintor de incêndio durante a invasão
já havia sido amplamente desmentida, mas vê-lo se deslocar com calma
durante os acontecimento acrescenta uma nova dimensão aos fatos.
Apurar
os fatos, e entender como são apresentados por campos políticos
opostos, é importante para os jornalistas e para a sociedade em geral.
Existe também, obviamente, um paralelo entre os acontecimentos de
janeiro de 2021 em Washington e os de 2023 em Brasília. Fazer
comparações automáticas é um erro, mas também o é ignorar os pontos em
comum. Com uma importante diferença: a depredação dentro das sedes dos
Três Poderes em Brasília foi muito maior.
Tucker
Carlson mostrou as cenas inéditas num momento de alta volatilidade para
a Fox, acusada num processo por difamação pela Dominion Voting Systems,
empresa canadense proprietária de urnas usadas na última eleição
presidencial e acusada por apresentadores do canal a cabo de “sumir” com
2,7 milhões de votos destinado a Donald Trump. Como tudo acontece nos Estados Unidos, o paraíso das indenizações sem relação com a realidade, a Dominion pede 1,6 bilhão de dólares.
Divulgadas
por exigência da justiça, mensagens trocadas entre as principais
estrelas da Fox mostram que eles são como todos os jornalistas: falam o
que realmente acham quando estão no WhatsApp.
A
mensagem mais comentada é a de Tucker Carlson sobre Donald Trump e tem
uma natureza surpreendente. “Estamos muito, muito perto de poder ignorar
Trump completamente”, escreveu ele em 4 de janeiro de 2021
(ironicamente, dois dias depois seria desmentido pela realidade);
“Mal posso esperar. Eu o odeio fervorosamente”.
Em
outro trecho, ele diz que o verdadeiro talento de Trump “é para
destruir coisas. Poderia nos destruir facilmente se fizéssemos o
movimento errado”.
A
audiência recordista de Carlson pode ficar decepcionada, mas a mensagem
mostra camadas de complexidade que já haviam aparecido também em
mensagens de Sean Hannity, o outro apresentador linha dura. Durante a
invasão do Capitólio, ele apelou a suas fontes no governo para que
fizessem Trump mandar o povaréu sair da sede do legislativo, sob pena de
se autodestruir.
Em
outra troca de mensagens, Carlson, Hannity e Laura Ingraham se dedicam a
uma atividade muito apreciada por jornalistas em geral, falar mal dos
patrões.
“Estamos
oficialmente trabalhando para uma organização que nos odeia”, escrevem
Ingraham, referindo-se à atitude de outro apresentador de sair à frente
das outras emissoras e anunciar que Biden tinha ganhado a eleição no
estado do Arizona.
“Nós três temos um poder enorme. Temos mais poder do que sabemos ou exercemos”, comenta ela.
Têm
mesmo. Dominar a narrativa confere grande poder. É por isso que os
jornalistas honestos precisam tentar ser fiéis aos fatos na medida de
suas possibilidades, controlar o próprio desejo de desprezar os que são
contra suas posições políticas e abrir bem os olhos, principalmente para
coisas que prefeririam não ver.
É
claro que Tucker Carlson é o oposto disso tudo, mas as cenas que ele
está mostrando não podem ser ignoradas. São tão eloquentes que o líder
do Senado, o democrata Chuck Schumer, apelou diretamente a Rupert
Murdoch para não deixar que Carlson continuasse com seu “desprezo pelos
fatos, indiferença aos riscos e plena consciência de que está mentindo
para sua audiência”.
Quem está mentindo mais?
A
vida é complicada e nem sempre há respostas simples, mas ver os vídeos
apresentados pelos dois lados, inclusive durante a comissão de inquérito
da época da maioria democrata, ajuda a entender melhor o que realmente
aconteceu naquele dia na sede do Poder Legislativo e desconstrói as
visões unilaterais.
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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