“Especialmente
para quem nasce com a pele que eu nasci” mistura consciência de raça,
classe e amor em 59 poemas que mostram a potência da poesia periférica
contemporânea
Entre tantas adversidades que pessoas pretas enfrentaram, num passado de ferro, Especialmente para quem nasce com a pele que eu nasci, obra
de estreia do poeta Santos Drummond, é um livro de poesias que traz
relatos que traçam novas possibilidades de forjar o presente, novas maneiras de amor, acolhimento e carinho, a alegria da superação e, com elas, as conquistas.
Dividido
em três capítulos: Fome; Café expresso; Arroz, Feijão, amor e carinho, o
autor descreve essa trilogia como a síntese da sua trajetória. Em
versos poéticos, Fome,
ao mesmo tempo que assume o caos pela ausência de algo, manifesta a
vontade voraz por vencer. Em linhas gerais, seria compreensível pensar
que essa ausência é a força motriz, mas o que na verdade produz essa
vontade, é a lucidez.
Nas
palavras de Santos “é um capítulo que fala sobre questões um pouco mais
duras”, de uma fome que não é de comida “mas todas as possibilidades de
metáforas que a fome está envolvida, associada à dor, a uma falta, a um
anseio de que [...a vida..] seja diferente”, pontua.
Algumas
verdades precisam ser ditas, mesmo que doam, talvez a poesia possa
aparar essas lanças pontiagudas da verdade, nesse caso, um Café expresso
é uma boa pedida. Nesta segunda parte do livro, o autor dispensa
fantasias e sem rodeios compartilha suas impressões sobre política,
exclusão e o genocídio da população negra periférica. “A poesia curta é
um café expresso, uma coisa de pouco volume e muita densidade e que pode
te deixar acordado por mais tempo e um pouco mais atento”, explica.
Poderia
ser apenas seu olhar subjetivo, mas, ainda que uma parcela discorde de
suas impressões, parafraseando sua própria poesia Escrevivência
(neologismo criado por Conceição Evaristo), é um espelho onde o leitor é
conduzido, inevitavelmente, a se olhar. A diferença é que, depois de um
gole de café, ele pode revelar o opressor ou o oprimido que o habita.
Já, Arroz, feijão, amor e carinho
mostra o sonho do oprimido de preencher essa falta materializada na
poesia que dá nome a última parte da obra, e traz o simples do
cotidiano, vivido singularmente e expresso por Santos Drummond, mas que
poderia ser tangível a qualquer um, porém, na experiência de pessoas que
nascem com a pele que ele nasceu, vira extraordinário.
Falar
de amor enquanto uma pessoa preta, por não estar num lugar comum,
figura uma zona de experimentações que diz, não somente sobre o cultivo
desse sentimento, mas também sobre a incapacidade que a sociedade tem de
amar pessoas pretas.
Essa
questão resvala em tudo, inclusive na auto permissão de escrever sobre o
tema. O autor entende isso, quando esbarra na experiência de outro
homem preto, o poeta Akins Kintê, cujo amor é assunto frequente de suas
poesias. “Isso abriu um caminho para que eu conseguisse enxergar em mim
algo que sempre existiu, que é afeto, amor e outras coisas. E não só
enxergar em mim, como transformar em palavras e tocar as pessoas através
dessa parte também”, fala Santos.
Sua
obra é um item essencial na prateleira de qualquer um, “o livro é para
as pessoas negras se sentirem representadas e as pessoas brancas
entenderem o lugar de coadjuvante que elas têm quando o assunto for
negritude”, defende o ator.
O
autor já publicou outros quatro livretos de forma independente, os
quais vendeu quase dez mil exemplares na rua. Pela primeira vez, esse
ano, tem um livro lançado pela editora Baderna, pelo projeto “A poesia é
compromisso”, do coletivo Slam do 13, que tem apoio do Fomento à
Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. A
obra será lançada no último sábado de junho, na Casa Baderna, em evento
especial, com sarau e música ao vivo.
Entrada: gratuita
Local: Casa Baderna
Endereço: Av. Guarapiranga 2376 (Sobreloja)
Quando: 29 de junho de 2024, às 19h
Nenhum comentário:
Postar um comentário