O Instituto Alana manifesta seu profundo repúdio à sanção, na segunda-feira (27), do Projeto de Lei Complementar Estadual nº 9/2024 que permite a expansão das escolas cívico-militares no Estado de São Paulo, bem como à violência policial perpetrada contra estudantes
que se manifestaram pacificamente durante o processo de tramitação
desta proposta na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
A
repressão policial violenta contra os estudantes que exerciam seu
direito legítimo de manifestação e participação política é uma violação
extrema dos direitos à liberdade e à participação de adolescentes e
jovens na construção de políticas públicas que os afetam diretamente. O
Instituto Alana exige uma resposta imediata e adequada das autoridades
competentes sobre as violências cometidas, com a devida investigação e a
responsabilização dos envolvidos nas agressões e na detenção arbitrária
dos estudantes.
Infelizmente,
esse não é um caso isolado. Relembramos o histórico de violências que
marcaram as ocupações das escolas estaduais em 2015, quando estudantes
protestavam contra o fechamento de unidades de ensino e a reorganização
escolar proposta pelo governo estadual. Naquela ocasião, os jovens
também enfrentaram repressão policial, mostrando um padrão preocupante
de tratamento dado aos estudantes que se mobilizam em defesa de seus
direitos, materializando uma das ameaças que a militarização representa
para a educação e à “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” (Inciso II do Art.
2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
As Escolas Cívico-Militares
O
Instituto Alana posiciona-se contrariamente à proposta de expansão das
escolas cívico-militares por ficar evidente, a partir das experiências
já observadas nacionalmente, que o modelo viola o direito à educação de
crianças e adolescentes em diferentes dimensões. São elas:
Desvio de recursos da educação
A
destinação de recursos da Secretaria de Estado da Educação para o
pagamento de policiais militares da reserva, que atuarão como monitores
nas escolas, representa um desvio de verbas que deveriam ser
direcionadas para melhorias estruturais e pedagógicas nas escolas e para
a formação e valorização dos profissionais da educação.
Desvalorização dos profissionais da educação
A
proposta desvaloriza os profissionais da educação e afronta o Artigo 61
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao desviar
recursos da educação para a contratação de militares, em vez de investir
na valorização e formação contínua dos professores e demais
profissionais da rede escolar. Enquanto medidas como esta são
realizadas, a rede estadual de ensino de São Paulo opera com quase
metade de seus professores em regime temporário – com menores
remunerações, piores condições de trabalho e menor fixação em unidades
de ensino. Segundo resposta da Secretaria Estadual ao portal G1, em fevereiro de 2024, a rede possuía 48% de professores temporários.
Contramão do desenvolvimento integral
As
experiências de escolas militarizadas pelo Brasil, como as que estão
sendo propostas, vão na contramão do desenvolvimento integral dos
estudantes. A livre expressão do corpo e a realização de atividades que
promovam o desenvolvimento físico, protagonismo, participação e
valorização de diferenças são frequentemente coibidas em escolas
cívico-militares, limitando a formação plena dos jovens. Este modelo
prioriza a disciplina militar em detrimento do desenvolvimento do
pensamento crítico e autônomo dos estudantes, essencial para a formação
de cidadãos plenos. Enquanto a lógica e a disciplina militar valorizam e
impõe obediência, a lógica pedagógica se pauta pelo estímulo à
curiosidade, ao questionamento e ao desenvolvimento de autonomia.
Falta de evidências de eficácia
Não
há estudos no Brasil que avaliem o efeito da disciplina militar nos
processos de ensino-aprendizagem, tampouco os impactos da presença da
polícia na redução da violência em escolas. Nos Estados Unidos,
por exemplo, a avaliação de modelos semelhantes indicam que a
disciplina militar não melhorou a aprendizagem dos estudantes e que
grupos vulneráveis sofrem mais punições ao estudarem em escolas com esse
modelo, indicando uma disparidade injusta e prejudicial, que acentua
desigualdades e tende a expulsar estudantes já vulnerabilizados.
Melhora de desempenho não comprovada
O
argumento de melhora de desempenho acadêmico em escolas
cívico-militares não se comprova na realidade. Nos locais onde ocorreu
alguma melhora, esta esteve atrelada a uma soma de fatores, como
investimentos em infraestrutura, valorização do profissional docente,
critérios de seleção dos alunos, nível de escolaridade dos pais e menor
número de docentes por aluno, e não ao modelo militarizado de ensino
isoladamente.
Inconstitucionalidade:
A proposta de escolas cívico-militares apresenta características que ferem os princípios constitucionais de gestão democrática e autonomia escolar, essenciais para a garantia de uma educação que respeite a diversidade e promova a cidadania plena. Dentre as ilegalidades presentes nas experiências de escolas cívico-militares já realizadas pelo Brasil, destacamos:
- Cobrança de taxas em escolas da rede pública de ensino, ferindo o inciso IV do art. 206 da Constituição Federal (CF) e o art. 3º da LDB;
- Gestão não-democrática;
- Regime disciplinar extremamente rígido, que viola a privacidade, intimidade, dignidade e imagem das pessoas;
- Processo educacional que não respeita os valores culturais, artísticos e históricos do contexto social dos alunos;
- Limitação à liberdade de criação e acesso à cultura;
- Restrição à autonomia e liberdade dos professores em relação aos conteúdos pedagógicos;
- Presença inadequada de policiais em atividades educacionais, ferindo o art. 61 da LDB;
- Associação obrigatória dos pais nas Associações de Pais e Mestres (APMs), ferindo o inciso XX do art. 5º da CF;
- Preferência à matrícula de filhos de militares em escolas militarizadas, ferindo o inciso I do art. 3º da LDB;
- Desvios de recursos educacionais para o pagamento de profissionais não vinculados à educação.
Diante do exposto, o Instituto Alana, bem como centenas de organizações da sociedade civil,
exige que o governo do Estado de São Paulo se retrate publicamente pela
violência cometida contra os estudantes e pela detenção arbitrária
ocorrida durante as manifestações. Além disso, clamamos ao governo de
São Paulo, à Assembleia Legislativa e aos órgãos do poder judiciário,
pela revogação do Projeto de Lei sancionado, com a suspensão imediata da
proposta de um programa de expansão das escolas cívico-militares no
Estado; aos municípios, para que não façam adesão ao programa; e às
comunidades escolares para que se posicionem contrariamente à proposta
caso suas unidades de ensino sejam consultadas para a implementação do
modelo.
O
futuro da educação paulista depende de políticas que respeitem os
direitos dos estudantes, valorizem os profissionais da educação e
garantam uma formação integral, crítica e de qualidade. Somente assim
construiremos uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.
Sobre o Alana
O Alana
é um grupo de impacto socioambiental que promove e inspira um mundo
melhor para as crianças. Um mundo sustentável, justo, inclusivo,
igualitário e plural. Um mundo que celebra e protege a democracia, a
justiça social, os direitos humanos e das crianças com prioridade
absoluta. Um mundo que cuida dos seus povos, de suas florestas, dos seus
mares, do seu ar. O Alana é um ecossistema de
organizações interligadas, interdependentes, de atuação convergente,
orientadas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. O
encontro de um Instituto, uma Fundação e um Núcleo de Negócios de
Entretenimento de Impacto. Um combinado único de educação, ciência,
entretenimento e advocacy que mistura sonho e realidade, pesquisa e
cultura pop, justiça e desenvolvimento, articulação e diálogo,
incidência política e histórias bem contadas.
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