BLOG ORLANDO TAMBOSI
O QAnon, que fez a cabeça de tanta gente, inclusive a da congressista Greene, só pode existir e prosperar em ambientes radicalizados e de certa forma enfermos (sob o aspecto social e psicológico). Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
A
deputada republicana Marjorie Taylor Greene, do estado americano da
Geórgia, propôs um “divórcio nacional”. Em outras palavras, o
desmantelamento dos Estados Unidos que, segundo ela, deveriam se dividir
em “estados vermelhos” (em referência à cor de seu partido, o
Republicano) e “estados azuis” (a cor do Partido Democrata). Para a
congressista, o país está perdido, dividido e chegou a um ponto
impossível de se reconciliar.
A
ideia da congressista ganhou tração dentro da ala psiquiátrica do
Partido Republicano e eco na Fox News, a emissora que fala com fatia
importante da sociedade americana – que, entre muitos acertos, diversos
erros e perigosos delírios, mantém uma posição voltada à proteção de
valores conservadores, à economia de mercado e, curiosamente, à proteção
dos Estados Unidos e de tudo o que o país representa.
Mas
como quem pensa que está defendendo o país pode sugerir dividi-lo? A
resposta não é simples, mas passa obrigatoriamente por radicalismo,
ignorância, manipulação e possivelmente por boa dose de má-fé.
Marjorie
Taylor Greene brotou e cresceu na política americana sob o mesmo
ambiente de onde veio a “teoria da conspiração” QAnon, que nada mais é
que uma grande operação de inteligência estrangeira que soube plantar e
adubar ideias malucas na cabeça de gente radicalizada, ressentida e
muito mal tratada pela elite progressista americana, que os vê como
“deploráveis” caipiras, fascistas, atrasados, rudimentares e, até mesmo,
abjetos.
A
congressista diz que essas diferenças são irremediáveis e que o país
vive uma relação irreconciliável. Greene parece ver na sociedade
americana uma repetição de sua história pessoal. No final do ano
passado, ela se separou do marido; na petição de divórcio, eles alegaram
que a relação estava “irremediavelmente quebrada”. Obviamente, essa é
uma extrapolação do que vem a passar pela cabeça da deputada, dadas as
semelhanças no argumento. O que importa, entretanto, é que os Estados
Unidos não podem ser comparados com o fim de um casamento.
Pedir
para quem, em pleno 2023, apoia a secessão dos Estados Unidos que
recorra aos livros de história pode ser inútil. Mas há algo mais
simples. Se a congressista Greene e seus colegas que se animaram com a
ideia de pregar um “divórcio nacional” se sentarem em uma manhã qualquer
nas escadarias da face Oeste do Capitólio, poderão ver o Monumento a
Washington. O grande obelisco com 169 metros de altura é mais que um
memorial ao primeiro presidente dos Estados Unidos e um dos Founding
Fathers of the United States (Pais Fundadores dos Estados Unidos).
Quem
realmente presta atenção ao monumento pode observar que ele não tem uma
cor uniforme. Por sinal, ele tem uma troca brusca de cores. Quando o
obelisco havia atingido 46 metros de altura, o dinheiro acabou e as
obras foram paralisadas. Depois disso, em 1861, veio a Guerra Civil, que
se estendeu por quatro anos.
A
obra inacabada ficou por anos abandonada. Sem fundos, em um país em
construção depois da grande fratura que foi a Guerra Civil. As obras
foram retomadas, com o mesmo tipo de mármore e a técnica original, mas,
mesmo assim, a obra denuncia o lapso que separa os Estados Unidos de
antes da secessão dos Estados Unidos depois dela.
Um
dos símbolos da capital dos Estados Unidos tem uma “cicatriz” de um
outro momento de “divórcio nacional”. Um recado de que rupturas deixam
marcas. Dividir um país para salvá-lo é fazer o jogo de quem quer vê-lo
destruído.
Não
foi Marjorie Taylor Greene que dividiu a América. Nem muito menos
Donald Trump ou seus seguidores radicais. Eles são parte do processo.
São mais resultado do que causa. Os Estados Unidos e o Ocidente estão
sob constante ataque. As cisões são as mais eficientes delas. Sociedades
divididas pelo antagonismo político são mais vulneráveis.
O
QAnon, que fez a cabeça de tanta gente, inclusive a da congressista
Greene, só pode existir e prosperar em ambientes radicalizados e de
certa forma enfermos (sob o aspecto social e psicológico). A tal nova
secessão, obviamente, vai ficar no campo da radicalização, da qual a
deputada Greene é o sintoma mais visível. O perigoso, entretanto, é que
ela não está só. Sementes, quando plantadas, adubadas e irrigadas,
brotam e crescem. Não falta quem trabalhará dia e noite para que isso
aconteça.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
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