Representantes de 14 associações de dor na América Latina assinaram a Declaração de Lima sobre Dor Crônica,(1) com objetivo de gerar conscientização sobre sua classificação como uma doença em si(2)
e o grave problema de saúde pública que representa na região. Segundo
estimativas da Federação Latino-Americana de Associações para o Estudo
da Dor (FEDELAT), a dor crônica afeta entre 27% e 42% dos
latino-americanos.(3)
No Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
(SBED), pelo menos 37% dos brasileiros sofrem com dor crônica.(4)
Os
especialistas signatários ressaltaram que os diversos contextos e
deficiências do setor de saúde enfrentados pelos países
latino-americanos dificultam a aplicação dos parâmetros estabelecidos na
nova revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11).
"O
número insuficiente de unidades de tratamento da dor e profissionais de
saúde treinados, bem como a falta de recursos alocados para programas
de educação médica, são as principais barreiras que impedem o tratamento
adequado da dor crônica. Isso é agravado pela pouca conscientização que
existe sobre a dor crônica como uma doença e seu impacto na vida das
pessoas”, diz o Dr. Marco Narváez, presidente da FEDELAT.(5)
Levando
esses obstáculos em consideração, a declaração busca colocar em pauta
iniciativas que contribuam para a formulação de soluções sustentáveis
e reitera a importância da participação articulada de governos,
associações médicas, instituições de ensino e setor privado "para criar
as condições ideais para avaliação, diagnóstico e tratamento adequados
desta doença na América Latina”, acrescenta Narváez.(5)
Entre as propostas, se destacam:
- Implementar
a CID-11 o quanto antes, adaptando e integrando seus conceitos à
realidade particular da América Latina, especialmente na atenção
primária, principal ponto de partida das consultas para dor crônica na
maioria dos casos em nível regional.
- Incentivar
a formação integral e capacitação de um maior número de especialistas
em dor (médicos e outros profissionais de saúde), bem como o
desenvolvimento de unidades de dor, que garantam uma abordagem
personalizada e multidisciplinar da doença.
- Promover
e aprimorar relatórios de pesquisas clínicas que servirão de base para o
desenvolvimento de estratégias e políticas públicas que possibilitem o
manejo adequado do problema.
- Alocar
recursos, por parte dos governos, para financiar pesquisas sobre dor
crônica e garantir que os pacientes tenham acesso aos melhores
tratamentos possíveis.
Os
pontos que requerem atenção urgente, contidos na declaração, são
produto do trabalho contínuo das associações latino-americanas de dor
que, reunidas em Lima, estabeleceram uma rota de atenção para este
problema de saúde pública.
A
realidade específica do Brasil é similar à dos demais países
latino-americanos, de acordo com o Dr. Durval Kraychete, professor e
coordenador do Ambulatório de Dor da Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e co-editor do Brazilian Journal of Anesthesiology. O
especialista conta que as políticas públicas e o investimento em
educação continuada em torno do tema da dor são escassas, mas que as
diversas sociedades e instituições regionais com foco na dor, como a
SBED, têm incentivado a abordagem e tratamento adequado das dores aguda e
crônica, cujos impactos econômicos, físicos e psíquicos provocam
consequências graves à sociedade.
“Há
um grande índice de afastamento do trabalho por conta da dor crônica,
uma sobrecarga nos serviços de reabilitação e o índice de suicídio entre
esses pacientes não é baixo. Seguindo as determinações da Declaração de
Lima, podemos proporcionar a essas pessoas uma melhora psíquica e
funcional, a depender de um diagnóstico correto e oportuno, além de um
tratamento adequado, multimodal e personalizado feito preferencialmente
de maneira precoce. A luta é árdua, e a sensibilização de governos e
autoridades é urgente. Porém, com a Declaração de Lima, ao menos já
temos um mapa que mostra e sintetiza o caminho para melhorarmos a
situação no Brasil e em toda a América Latina”, ele conclui.
Apesar
da CID-11 ter entrado em vigor em janeiro de 2022, o Ministério da
Saúde iniciou o processo de tradução e validação do documento por
especialistas no mesmo ano, tendo estipulado dezembro de 2022 como a
previsão de conclusão dessa etapa. No entanto, ainda existe um período
de transição da classificação anterior para a atual, que, seguindo a
estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), deve ocorrer entre
dois e três anos. Assim, espera-se que a CID-11 esteja em uso nos
sistemas de informação da vigilância em definitivo apenas a partir de 1º
de janeiro de 2025.(6)
“Isso significa que os pacientes com dor crónica do Brasil terão que
esperar pelo menos mais dois anos para que sua condição seja considerada
de fato uma doença pelos órgãos oficiais”, alerta o Dr. Kraychete.
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