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A tendência global para a autossuficiência tem riscos: o efeito sobre a inflação global é incerto e pode haver aumento da pobreza nos países em desenvolvimento se as cadeias de produção retrocederem. Inês Domingos para o Observador:
A
guerra já teve e terá muitos efeitos económicos que ainda não
vislumbramos, mas há três efeitos, já visíveis, que têm o potencial de
transformar a economia europeia nos próximos anos.
A
independência económica face à Rússia, não só através da redução das
compras de bens energéticos como o gás, mas também dos sucessivos
pacotes de sanções, foi tão rápida quanto surpreendente. O gás
proveniente da Rússia, que chegou a representar 56% das importações de
gás em 2019, diminuiu para 12.9% em novembro de 2022. Esta redução foi
possível graças a um aumento das importações de outros países. Assim,
não só a União Europeia conseguiu satisfazer as suas necessidades
energéticas como, ao mesmo tempo, preencheu a sua capacidade de reserva
quase a 100% antes do inverno. É notável também, a redução do consumo de
gás face a anos anteriores, decorrente de um inverno relativamente
moderado e de políticas de contenção energética.
Desde
então os preços de gás no mercado TTF da Holanda reduziram para valores
inferiores aos preços antes da guerra. Por exemplo, o contrato para
fornecer gás em março de 2023 atingiu um pico de 338 euros por MWh em
agosto de 2022 e encontra-se agora em 50,8 euros, abaixo dos 85 euros de
fevereiro de 2022. Mas no longo prazo, o reforço das políticas para
fomentar a energia verde poderão vir a reduzir ainda mais as
necessidades de gás.
O
choque de oferta provocado pela escassez de bens energéticos e dos
cerais teve um efeito significativo sobre a inflação. Não terá sido o
único fator, porque a inflação mundial começou a subir antes da guerra,
em particular devido aos desequilíbrios entre procura e oferta mundial
nos sucessivos picos da pandemia que aconteceram ao ritmo em que as
economias “abriam” e “fechavam”. Agora que os preços energéticos
voltaram a baixar, as pressões inflacionistas subjacentes, resultantes
nomeadamente dos preços do imobiliário e das taxas de desemprego muito
baixas na maioria dos países avançados, deverão persistir vários meses,
ou até anos, o que poderá obrigar o BCE a manter uma política monetária
bastante restritiva. Depois de mais de uma década de taxas de juro
próximas de zero, o esforço de adaptação das economias a taxas de juro
positivas e possivelmente elevadas deverá ser considerável.
Por
fim, a guerra trouxe também uma nova urgência em tornar as economias
europeias menos dependentes do exterior. As múltiplas medidas de
política, como a legislação para reforçar a produção e a investigação
sobre semicondutores na Europa ou o novo plano industrial verde,
pretende, entre outras coisas, flexibilizar as regras das ajudas de
Estado em certos investimentos.
Estas
são três transformações potencialmente profundas e duradouras, mas com
efeitos muito diferentes. No primeiro caso, a redução da dependência da
Rússia é positiva do ponto de vista geopolítico e o reforço das energias
renováveis é igualmente positivo do ponto de vista da competitividade
da economia europeia e do ambiente. No segundo caso, embora a subida das
taxas de juro possa ser penosa no curto e médio prazo, no longo prazo é
sinal de uma normalização da política monetária e espera-se, a seu
tempo, também da inflação perto de 2%. Já o terceiro caso é mais difícil
de avaliar à priori. Por um lado, a maior independência da Europa pode
ser desejável do ponto de vista da diminuição dos riscos de
abastecimento (e isso tem um preço) à semelhança do que já acontece com a
Política Agrícola Comum. Mas esta tendência global para a
autossuficiência também tem riscos: o efeito sobre a inflação global é
incerto e existe o risco de aumento da pobreza nos países em
desenvolvimento se as cadeias de produção global retrocederem.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
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