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A melhor maneira de contribuir positivamente para o bom desempenho de um governo do qual discordamos é fazer-lhe oposição, uma oposição programática, coerente em seus princípios e fiel ao Estado Democrático de Direito. Artigo do professor José Augusto Guilhon Albuquerque, publicado pelo Estadão:
A
vitória eleitoral de Lula no segundo turno provocou, em parte, um
alívio depois de quase quatro anos de desgoverno do ex-presidente
Bolsonaro e, sobretudo, diante de um final de mandato sem governo
nenhum. O alívio também proveio de uma expectativa de cumprimento do
compromisso, assumido pelo novo presidente, de formar um governo de
frente ampla, com participação relevante das lideranças e do eleitorado
de centro, sem cujo voto Lula teria sido derrotado.
No
que diz respeito ao seu compromisso com uma ampla frente de defesa da
democracia, não creio que seja injusto afirmar que ele tem deixado muito
a desejar. E, se fosse injusto, motivado por discordâncias morais ou
ideológicas, não teríamos o direito democrático de discordar?
Infelizmente,
o alívio por termos evitado as ameaças golpistas do ex-presidente –
graças, repito, ao voto do eleitorado de centro – provocou no jornalismo
brasileiro e em parte da opinião pública uma quase unanimidade
nacional. Mas a unanimidade não é apenas burra, como queria Nelson
Rodrigues, ela é inimiga da democracia representativa.
Não
basta se intitular democracia, nem apenas permitir a existência de
partidos políticos, apenas tolerados, mas sem relevância e sem garantia
de fato de disputar o poder. Para Robert Dahl, a principal referência na
teoria democrática, além da igualdade do direito de participação
política, a democracia pressupõe a garantia da liberdade de oposição.
O
pressuposto de que defender as instituições democráticas implica apoiar
o governo Lula, abster-se de criticar seus erros, aceitar
indiscriminadamente sua falta de empenho em estabelecer uma política
econômica coerente, ou sua insistência em manter-se permanentemente em
campanha e perpetuar a polarização, não se sustenta. O pressuposto
correto é de que defender a democracia implica apoiar as instituições
democráticas e avaliar o desempenho de seus responsáveis e, em caso de
discordância, valer-se do direito de oposição. A melhor maneira de
contribuir positivamente para o bom desempenho de um governo do qual
discordamos é fazer-lhe oposição, uma oposição programática, coerente em
seus princípios e fiel ao Estado Democrático de Direito.
Minha
primeira objeção ao atual presidente diz respeito a seu descaso quanto à
principal prioridade de um governante, a de começar a governar com
objetivos e projetos bem determinados, apoiado numa equipe governativa
experiente, e com apoio de uma maioria congressual fiel e estável.
Durante o mês de transição e no primeiro depois de empossado, Lula se
distinguiu mais pelo que não fez do que por seus feitos em matéria de
governo.
Empenhou-se
em primeiro lugar em obter, a todo custo, apoio suficiente para
livrar-se de qualquer âncora fiscal. A nova âncora, se levarmos em conta
o princípio, por ele estabelecido, de que o equilíbrio fiscal é inimigo
do povo, está fora de cogitações, uma vez que ficou postergada para o
segundo semestre e seria atrelada à reforma tributária – a qual, por sua
vez, poderia ser parcelada!
Como
não é possível avaliar apenas o que não se fez, atenho-me, aqui, a
iniciativas do governo Lula que considero arriscadas, para dizer o
mínimo. Trata-se, por exemplo, das iniciativas de cerceamento da livre
expressão de opiniões discordantes do governo com a criação de uma
Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia em recente decreto da
Advocacia-Geral da União (AGU), que, como sabemos, advoga supostamente
em defesa da União, e não da “democracia”. Entre os objetivos citados
pelo novo advogado-geral da União, em seu discurso de posse, o novo
órgão deverá combater informações inverídicas “com o objetivo de
prejudicar a adequada execução de políticas públicas”. Desde quando
manifestar opinião contra a execução de políticas públicas que não sejam
aceitas por um grupo de interesse pode ser considerado ilegal?
Outra
iniciativa – esta diretamente tomada por Lula – talvez seja a mais
arriscada. Trata-se do que podemos chamar de reconversão da polarização:
com o enfraquecimento da base congressual do bolsonarismo, torna-se
cada vez menos crível a iminência de um golpe capitaneado pelo
ex-presidente. Isso parece tornar urgente, para o lulopetismo, encontrar
outro polo a ser demonizado.
É
o que se pode depreender dos ataques repetidos de Lula aos militares.
Quaisquer que fossem as circunstâncias, seria fora de propósito o
presidente da República tornar pública sua desconfiança de toda uma
categoria de servidores do Estado. Dadas as circunstâncias, em que
Bolsonaro e seu entourage militar ameaçaram constantemente desencadear
um golpe de Estado com o apoio das Forças Armadas, trata-se de pura
provocação.
Lula
precisa entender rapidamente duas coisas: primeiro que, se ele deve ao
eleitor de centro sua vitória eleitoral, ele deve à maioria legalista
dos militares a recusa a cumprir os delírios ditatoriais do seu chefe
supremo. Segundo, que seu principal dever é o de governar e, quanto mais
adiar o cumprimento desse dever, mais ele será cobrado.
Postado há 8 hours ago por Orlando Tambosi
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