Matemática ou doutrinação? Ideologia identitária substitui a ciência na "afromatemática".
A estupidez ideológica, calcada num relativismo extremo, avança também no campo das ciências exatas. Reportagem de Jocelaine Santos para a Gazeta do Povo:
Embora
seja inegável que os povos africanos desenvolveram saberes que podem
ser incorporados ao ensino da matemática como uma forma de diversificar e
ampliar o entendimento dessa ciência, em boa parte dos currículos e
textos destinados a defender a chamada afromatemática no Brasil o que
prevalece é a doutrinação de esquerda. Em vez de ensinar como trabalhar
esses saberes, currículos e trabalhos acadêmicos privilegiam a ideologia
identitária - e deixam de lado a aprendizagem da disciplina.
Uma
das primeiras universidades a incorporar a afromatemática na formação
dos futuros professores de matemática foi a Universidade Federal do ABC
(UFABC). Em 2017, a universidade incorporou duas disciplinas no curso de
licenciatura em matemática sobre a temática. A primeira delas, chamada
“Estudos Étnicos-Raciais”, tem como proposta oficial “oferecer aos
discentes uma síntese do conhecimento atual sobre os estudos
étnico-raciais, visando atender diretrizes do MEC, que versam sobre a
necessidade de cursos específicos que discutam a questão étnico-racial
no Brasil”. Na ementa da disciplina, constam itens como “paradigma
eurocêntrico”; “racismo e a formação do mundo atlântico”; “escravismo
brasileiro”; “mito da democracia racial no Brasil”; e “desigualdades
raciais no Brasil”.
A
segunda disciplina relacionada ao tema é batizada oficialmente de
“Seminários de Modalidades Diversas em Educação”. Entre os temas que são
discutidos durante as aulas da disciplina estão “fundamento
eurocêntrico da educação brasileira” e “racismo como um elemento
estruturante das desigualdades”. Só depois desses tópicos é que os
alunos começam a estudar a afromatemática, propriamente dita,
trabalhando temas como geometria a partir da cultura africana; história
da afromatemática, fractais africanos, entre outros.
Origem política
As
duas disciplinas foram incluídas na grade curricular na UFABC por
pressão do Coletivo Negro Vozes. Aproveitando um momento em que o curso
de licenciatura em matemática passava por mudanças e teria sua carga
horária aumentada, o coletivo resolveu propor duas novas disciplinas:
Estudos Étnicos-raciais, que permaneceu com o mesmo nome, e
“Afro-matemática como Transformadora Social”, mais tarde batizada como
“Seminários de Modalidades Diversas em Educação”. A ideia era
“problematizar e desenvolver metodologias e percepções que busquem a
dialogar entre a educação e as relações sociais, buscando romper com os
moldes da educação reprodutora do racismo” – ou seja, um viés bem pouco
científico e muito político.
Oficialmente,
o Coletivo Negro Vozes se apresenta como “Entidade Representativa da
Universidade Federal do ABC que visa aumentar a entrada e a permanência
da população negra universitária”. Mas o grupo, declaradamente, também
tem viés político. “Buscamos acolher as pessoas negras que fazem parte
do espaço universitário, aumentar a integração dessas pessoas e buscamos
também ajudá-las no auto reconhecimento enquanto pretos. Somos um
coletivo com atuação política, apartidário. Buscamos manter contato com a
comunidade externa, nunca perdendo o foco das questões internas”, diz o
grupo nas redes sociais.
A
proposta da inclusão das duas disciplinas foi feita pelo coletivo sob
justificativa de que a disciplina de matemática seria uma das
responsáveis pela “exclusão de negros e negras das escolas”. Foi o
coletivo, formado por professores e principalmente estudantes, que
elaborou a propostas das disciplinas, incluindo os temas que seriam
discutidos.
Temática imposta por meio de lei
De
acordo com a Lei 10.639/2003, passou a ser obrigatório no Brasil a
inclusão da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" na grade
curricular da educação básica no Brasil. De acordo com a lei, todo o
currículo do ensino fundamental e médio deve tratar da temática, não
sendo necessário uma disciplina específica. Assim, os professores podem
incluir essa temática também no ensino de matemática. E para preparar os
professores para isso, universidades como a UFABC passaram a oferecer
aulas sobre afromatemática.
Mas
isso também passou a ser usado como justificativa para incorporar
discursos ideológicos que tentam problematizar o conhecimento matemático
do ponto de vista histórico, sociológico e cultural. No lugar do estudo
de teorias e problemas matemáticos, passa-se a travar uma verdadeira
luta contra o “eurocentrismo” ou a “colonização dos currículos”, termos,
aliás, bastante comuns em artigos científicos publicados por autores
brasileiros.
Na
Revista Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, por exemplo, é
possível encontrar um artigo de três pesquisadores brasileiros
intitulado “O Racismo Contemporâneo em Projetos Pedagógicos de Cursos de
Licenciatura em Matemática”. Entre outros pontos, os autores,
vinculados às universidades UFABC, PUC-SP e USP, defendem “problematizar
o ensino eurocêntrico enraizados no cerne da sociedade e desconstruir o
racismo, para assim, propor uma nova forma de enxergar as relações, as
estruturas, as instituições como uma mudança cultural e política nos
campos curricular, epistemológico, conceitual e pedagógico”.
O que é afromatemática
Resumidamente,
a afromatemática propõe que as descobertas e conhecimentos de povos
africanos na área de matemática, física e outras ciências exatas sejam
redescobertas e valorizadas. Um dos principais nomes dessa área seria o
Pauulus Gerdes, um holandês (branco) que estudou Matemática, Física e
Antropologia Cultural. Apaixonado pela cultura africana, Gerdes,
falecido em 2014, estudou e elaborou teorias matemáticas sobre o
artesanato e imaginário popular dos povos africanos. Até hoje, seus
trabalhos aparecem nos currículos das disciplinas de afromatemática. Ele
também foi professor visitante da Universidade de São Paulo (USP), além
de ter sido consultor do projeto “Brasil-África: Histórias Cruzadas”,
desenvolvido pela Unesco em parceria com o Ministério da Educação em
2010 e que tinha como objetivo principal a elaboração de textos e
orientações de atividades a serem desenvolvidas em sala de aula para
atender a Lei 10.639/2003.
O
movimento em favor de uma matemática “mais étnica” começou a se tornar
mais forte a partir da década em 1980, dentro do próprio território
africano, com a criação da Comissão de História da Matemática na África,
na União Africana de Matemática (AMUCHMA, na sigla em inglês). Entres
os objetivos do grupo está o de “promover a investigação em história da
matemática em África e a publicação dos seus resultados, de forma a
contribuir para a desmistificação do viés eurocêntrico ainda dominante
na historiografia da matemática”. O grupo mantém publicações e eventos
periódicos sobre o assunto, publicando ainda biografias de doutores e
matemáticos africanos. Diferentemente das publicações brasileiras sobre o
tema, o viés científico ou pedagógico é predominante.
Guerra das matemáticas
A
ênfase na “descolonização dos currículos” faz com que a afromatemática
acabe sendo apresentada ideologicamente como “superior” ou “precursora”
de teorias ou problemas matemáticos tradicionais. A matemática chamada
de “eurocêntrica”, seria superestimada, e as contribuições de outros
povos simplesmente “esquecidos” ou “apagados” de forma deliberada por
motivos raciais. É possível ver esses argumentos em diversos artigos
publicados em revistas científicas. Na Revista da Associação Brasileira
de Pesquisadores Negros (ABPN), por exemplo, esse argumento aparece no
artigo “Etnomatemática como fomentadora de transformação social”. O
texto defende a ideia de que “existe nitidamente uma hipervalorização da
ciência euro centrada, ou seja, ela é difundida massivamente pela ideia
de que somente a Europa e o Ocidente foram e são capazes de
produzir/desenvolver conteúdo científico de extrema relevância para a
sociedade”.
Outro
artigo, “Afroetnomatemática, África e Afrodescendência”, do professor
titular da Universidade Federal do Ceará, Henrique Costa Júnior diz
haver uma grave deficiência no ensino de matemática em todo sistema
educacional, mas insiste em dizer que o ônus dessa deficiência “leva
sempre a submissão e a inferiorização dos afrodescendentes, [...] dando a
impressão de que temos uma dificuldade genética para a o aprendizado da
matemática”.
Mais
adiante, o autor diz que o jogo de búzios, usado dentro das religiões
africanas como uma forma de oráculo, é, na verdade, a prova de que os
povos africanos já conheciam a álgebra booliana, muito usada em
programação. Já a Teoria do Caos, que só muito recentemente começou a
ser estudada pela física e pela matemática, era representada há séculos
na figura da deusa Oya ou Iansã, que segundo a cultura africana está
relacionada com os ventos e tempestades. “Esta impressionante
constatação mexeu demais com a minha emoção e com o meu respeito, para
com os conhecimentos de Terreiro, ou melhor, dizendo, o conhecimento
guardado pelas sociedades tradicionais afrodescendentes”, escreve ele.
Quem perde
Para
o antropólogo e doutor em Educação, Augusto Sá, o uso da Afromatemática
para fins políticos ou ideológicos é prejudicial para a formação dos
futuros professores de matemática. Ele lembra que, embora o debate sobre
racismo seja importante dentro do ambiente universitário, ele não deve
subjugar a questão pedagógica. “A afromatemática possui recursos muito
interessantes que podem tornar o ensino da matemática muito mais
atrativo aos olhos dos estudantes. Mas a politização excessiva extingue
esses atrativos”, defende ele.
Ainda
segundo Sá, a falsa ideia de que haveria duas supostas matemáticas –
eurocêntrica e afromatemática -, pode fazer com que os estudantes acabem
achando que dentro das ciências exatas existem “partidos”, em
detrimento da evidência científica. “Nas Ciências Exatas, o apreço ao
dado correto, ao cálculo e à comprovação matemática é a base de tudo.
Isso deve prevalecer acima de qualquer posição política, partidária ou
social. Se um jovem começa a achar que determinada teoria ou fórmula
matemática tem cor, raça ou gênero, ou pior ainda, que pode ser
opressora ou racista, não teremos mais ciência, apenas ideologias”,
finaliza o professor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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