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Meu desconforto cresce à medida que cresce o intervencionismo judicial. Ives Gandra Martins para a revista Oeste:
O
Brasil vive um momento em que duas realidades opostas são tidas por
democráticas, a saber: aquela idealizada pelos constituintes e aquela
definida pelo Supremo Tribunal Federal.
Participei
de audiências públicas a convite dos constituintes, mantive contatos
permanentes com o relator da Constituição, senador Bernardo Cabral,
mandando-lhe até mesmo sugestões de textos, a seu pedido; com o
presidente, deputado Ulisses Guimarães, que chegou a assistir a palestra
minha sobre o parlamentarismo, pois era sua vontade implementar o
sistema no Brasil.
Também
estive com o deputado Francisco Dornelles, que me fez um dos primeiros
convidados para audiência pública, na Subcomissão de Tributos, algumas
de minhas sugestões tendo sido incluídas na Lei Suprema; com o deputado
Delfim Netto, na Subcomissão de Economia, em audiência pública; com
Roberto Cardoso Alves, já no plenário que comandou o grupo o qual a
imprensa denominou de centrão, quando, a seu pedido, redigi, com
Hamilton Dias de Souza, novo anteprojeto tributário, objetivando salvar —
o que, de certa forma, foi possível — o trabalho da Subcomissão —,
consta da primeira edição de meu livro Sistema Tributário na
Constituição (Editora Saraiva) o texto do substitutivo.
Além
de inúmeros outros contatos, encontros e palestras. Organizei um
congresso pela Fecomércio de Minas Gerais e pela Academia Internacional
de Direito e Economia, dez dias antes da promulgação da Carta Magna, em
que, durante três dias, com participação de mais de 50 palestrantes
(ministros do STF, TFR e TST, desembargadores, senadores, deputados,
ministros do Executivo, governadores, professores universitários,
especialistas), se discutiram, em painéis simultâneos, todos os
capítulos e seções da nova Lei Suprema.
As
palestras foram editadas pela Forense Universitária sob o título A
Constituição de 1988 — Interpretações. Por fim, comentei com Celso
Bastos, em 15 volumes, mais ou menos 10.000 páginas e em dez anos
(1988-1998), o Texto Supremo pela Editora Saraiva.
Até
hoje no Conselho Superior de Direito da Fecomércio-SP, que presido, o
relator da Constituinte, senador Bernardo Cabral, é conselheiro, sendo
quem melhor poderia testemunhar sobre esta modesta, mas intensa
participação minha no processo constituinte.
Exatamente
por esta razão, causa-me desconforto divergir dos eminentes ministros
da Suprema Corte — muitos deles amigos e com quem escrevi livros,
participei de bancas universitárias, proferi palestras — sobre sua visão
de que o Supremo Tribunal Federal é o maior Poder da República, com o
direito de corrigir os rumos do Executivo, legislar para suprir vácuos
legislativos e reformular votações sobre matérias de exclusiva
responsabilidade da Casa, sempre que a oposição derrotada recorra ao
Pretório Excelso para que lhe permita ganhar com 11 votos o que não
conseguiram entre 513 deputados e 81 senadores.
Este
ativismo judicial, que descaracteriza a independência e a harmonia dos
Poderes do Artigo 2° da Lei Maior, pois coloca um Poder acima dos outros
dois, por muitos é tido como uma nova corrente do moderno
constitucionalismo, denominado ou de “consequencialismo” ou de
“neoconstitucionalismo”. Por ela, caberia ao Supremo, como disse o
ministro Toffoli em Lisboa, ser o Poder Moderador e ao ministro Luiz
Fux, o defensor da democracia. Por essa corrente doutrinária, os fins
justificam os meios.
Ocorre
que, todavia, na Lei Suprema, o Título IV em que se insere o Poder
Judiciário, como o último dos Três Poderes, a denominação é apenas de
“Organização dos Poderes”, lembrando-se que o constituinte colocou como
enunciado do Título V, o seguinte: “Da defesa do Estado e das
instituições democráticas”, outorgando às Forças Armadas e de Segurança
Pública tal função.
O
que mais impressiona, entretanto, é que nem mesmo nas ações diretas de
inconstitucionalidade por omissão pode o Judiciário legislar, devendo
solicitar ao Legislativo que o faça (Artigo 103 § 2° da Carta da
República), numa clara demonstração que há um nítido conflito entre o
pensamento do constituinte e aquele dos eminentes julgadores federais.
Por
fim, para não alongar demais este artigo, é de se lembrar que o Artigo
49, inciso XI, impõe ao Legislativo que zele por seu poder normativo,
entendendo eu que pode não obedecer ordem do Supremo que invada tal
competência, por força da Constituição Federal, visto que só ao
Legislativo cabe zelar por sua independência normativa.
Como
se percebe, apesar da grande admiração que tenho pelos ínclitos
julgadores do STF, meu desconforto cresce à medida que cresce o
intervencionismo judicial.
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