A tendência é a geração de uma falsa vida das emoções que visa mais o marketing do que a vida real, se é que ela ainda existe. Luiz Felipe Pondé via FSP:
Sabe-se que o mundo corporativo está sendo chamado a compor o tecido republicano da sociedade contemporânea.
O
Estado, sabidamente, não consegue mais dar conta das demandas de uma
sociedade em crescente complexidade e com marcada tendência entrópica.
De qualquer forma, não se pode negar a validade, por parte das empresas,
de assimilar demandas sociais. É um processo sem volta.
Temas
como diversidade, antirracismo, cuidados com a chamada segurança
psicológica e similares —tudo compõe essa rede de demandas. Uma pedra no
sapato do mundo corporativo será, cada vez mais, a assimilação das pessoas chamadas 50+. Qualquer empresa contrata um homem trans ou uma mulher trans com 25 anos, o difícil é contratar pessoas mais velhas.
É claro, o marketing, a grande ciência da mentira sistemática no século 21,
continuará a fingir que a foto de um colaborador com 60 anos, vestido
com roupa de ioga, significa a assimilação em escala de pessoas mais
velhas no mundo corporativo. Mentira, pura e simples.
Uma questão, dentro dessa rede de demandas, é o universo contido no jargão “inteligência emocional”. Conceito trabalhado por “scholars” de vocação ao mercado, visa criar uma ciência da gestão das emoções, grosso modo.
A
intenção, portanto, como tudo o que transita pelo universo corporativo,
é o resultado, o sucesso, a produtividade, a competitividade, mesmo que
o conteúdo venha empacotado para presente.
Aqui vale um recuo. O movimento romântico,
cujo epicentro, na segunda metade do século 18 e no século 19, foi a
região que mais tarde veio a se constituir na Alemanha, se colocou
criticamente em relação ao racionalismo universalista do Iluminismo
francês. O lema desse Iluminismo poderia ser resumido na máxima “tudo
pela razão”. A racionalidade na sua face burguesa evoluiu para “tudo
pela produção”.
Primeira
grande ressaca com a modernidade burguesa, o romantismo trouxe, entre
outras características, a ideia da vida afetiva como lugar de sofrimento
devido à pressão racionalista, técnica e instrumental. Não por acaso, a
psicologia profunda, o inconsciente, a ideia de vida interior, os
estudos modernos de religião, devem muito ao romantismo, mais do que
esses profissionais imaginam.
A
contradição essencial aqui é que a assim chamada vida das emoções,
descendente direta do fenômeno romântico, vai de encontro —é, portanto,
contrária— à lógica produtiva da sociedade burguesa. A vida emocional
romântica é uma espécie de sintoma reativo à obrigação de se ser
bem-sucedido em tudo o que se faz.
Vale
salientar que, para a filosofia, desde a Grécia antiga, as emoções —o
“pathos”— sempre foram vistas como uma contradição para a vida racional,
um problema a ser enfrentado pela inteligência humana para que não
caíssemos na armadilha de uma vida irracional, dominada pelas paixões.
Enfim,
afora essas rápidas observações históricas, o fato é que a vida das
emoções não é um recurso óbvio para a imposição da produtividade em
todos os níveis.
As
emoções não são agentes evidentes na vida da prosperidade. E aqui
surge, a meu ver, uma contradição essencial para o jargão conhecido como
inteligência emocional.
A
chamada inteligência emocional pretende fazer das emoções um recurso
para resultados, “core” da vida corporativa. A intenção é fazer uma
gestão das emoções a fim de melhorar a carreira, os ganhos
das empresas e similares. Basta checar o trânsito do termo inteligência emocional em qualquer buscador.
As
palavras-chave dialogam exatamente com campos como gerenciamento das
emoções, torná-las eficazes, controle das emoções, busca de ferramentas
automotivacionais, otimizar as relações interpessoais, enfim, fazer a
gestão das emoções com o propósito da prosperidade.
Eis
a falácia básica do projeto. A formatação das emoções para a sua gestão
instrumental é patogênica no final do dia. Quando até os seus medos
devem ser produtivos, não há esperança nem para a vida verdadeira do
medo. A tendência é a geração de uma falsa vida das emoções que visa mais o marketing do que a vida real, se é que ela ainda existe.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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