Ante o risco de insatisfação popular, muito concreto, Bolsonaro recorreu a quase todo o seu repertório de falsidades para que o País mude de assunto. Editorial do Estadão:
O
oitavo Mandamento diz que não se deve dar falso testemunho. No
“evangelho” do presidente Jair Bolsonaro, contudo, esse mandamento
caducou.
Ao
discursar numa igreja evangélica em Anápolis (GO), na quarta-feira
passada, Bolsonaro fez um sermão repleto de mentiras, tão evidentes que
nem era preciso ser onisciente para perceber.
Bolsonaro
voltou a afirmar que houve “fraude” na eleição de 2018, que ele venceu.
“Eu fui eleito no primeiro turno. Eu tenho provas materiais, mas o
sistema, a fraude existiu sim, me jogou para o segundo turno”, disse
Bolsonaro.
A
primeira vez em que o presidente alegou ter sido vítima de fraude na
eleição foi em março de 2020. Na ocasião, disse que tinha “provas” e que
as mostraria “brevemente”. Bolsonaro nunca o fez, porque não existem.
Mas isso não tem importância: no “evangelho” bolsonarista, a verdade não
é aquilo que encontra correspondência na realidade, e sim aquilo que
Bolsonaro enuncia como tal. É questão de fé.
No
mesmo sermão, Bolsonaro tornou a acusar governadores e prefeitos de
“utilizar politicamente o vírus” da covid-19. Sem qualquer respaldo nos
fatos, o presidente disse que as medidas de isolamento social para
conter a pandemia se prestam a derrubá-lo: “Vamos fechar tudo, lockdown,
toque de recolher, que a gente pela economia tira esse cara daí”.
Bolsonaro disse que o querem fora porque “fez com que as estatais não
dessem mais prejuízo”, “está começando a arrumar a economia”, “acredita
em Deus”, “respeita seus militares” e “acredita na família”.
Em
seguida, disse que “gente que estava ao meu lado” fez contas, a partir
de um “acórdão do Tribunal de Contas da União”, e chegou à “constatação
da supernotificação de casos de covid” por parte de Estados interessados
em ter “mais recursos” federais. Segundo Bolsonaro, “se nós retirarmos
as possíveis fraudes” da contabilidade de mortos por covid-19, “o nosso
Brasil” será “aquele com menor número de mortes por milhão de habitantes
por causa da covid”. Ou seja, o presidente está dizendo, em outras
palavras, que milhares de médicos em todo o Brasil integram uma máfia
dedicada a fraudar atestados de óbito para favorecer os planos de
governadores corruptos.
Uma
vez eliminada a “fraude”, disse o presidente, ficará claro que o Brasil
teve poucas mortes por covid-19 porque adotou o “tratamento precoce”,
com cloroquina e ivermectina, cuja ineficácia contra o coronavírus já
foi amplamente atestada. Bolsonaro disse que não se investe nesse
“tratamento” porque “interessa viver em cima de mortes, para se ganhar
mais recursos”.
Para
o presidente, é irrelevante se o tal “tratamento precoce” não tem
comprovação científica. “Eu pergunto: a vacina tem comprovação
científica ou está em estado experimental ainda? Está experimental”,
disse Bolsonaro, naquela que talvez seja a mais nociva das tantas
mentiras que contou no seu sermão. Ao questionar a segurança da vacina,
já atestada pelas autoridades sanitárias regulatórias, Bolsonaro sabota
todos os esforços para incentivar os brasileiros a tomar o imunizante.
Mas
a epifania bolsonarista em Anápolis, malgrado suas repetidas
referências a “milagres” e “Deus”, teve objetivos bem mais mundanos.
Conforme a já manjada tática bolsonarista, era preciso inventar variadas
polêmicas, em grande quantidade, para tirar a atenção do mais
importante: a forte alta da inflação, anunciada no mesmo dia do sermão
de Bolsonaro.
Se
por um lado a inflação aumentou a arrecadação do governo, pois os
tributos são cobrados em cima de preços mais altos, por outro a alta dos
preços corrói a renda dos brasileiros, especialmente a dos mais pobres,
que já convivem com forte desemprego. Ante o risco de insatisfação
popular, muito concreto, Bolsonaro recorreu a quase todo o seu
repertório de falsidades para que o País mude de assunto.
Em
sua prédica mendaz, foi honesto uma única vez, quando disse que, ao ser
eleito, “não sabia o que fazer”. Hoje, contudo, sabe muito bem: mentir
dia e noite para ser reeleito. Se vai conseguir ou não, depende da
credulidade dos eleitores.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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